quinta-feira, 31 de julho de 2014

CRIADORES E CRIATURA

"A Elisa saiu ontem e está abalada com a truculência da mídia. A imprensa veio como cão raivoso e me amassaram no carro. Eu falo e repito: deixem minha filha em paz", pediu Rose Quadros. "Ela é um ser humano".

A frase acima foi pronunciada pela mãe da cineasta/manifestante/ativista Elisa Quadros, a “Sininho”, como costumam se referir a ela os meios de comunicação do País. A declaração, por sinal, aconteceu dentro da sede do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, um dia após a libertação de 3 pessoas que estavam detidas no complexo penitenciário de Bangu, acusadas de envolvimento numa suposta “Operação Junho Negro” e que teria o objetivo de causar desordem durante a Copa do Mundo. Um dia após, também, da agressão a jornalistas que cobriam a libertação.(Não vou entrar no mérito da realização dessa reunião, convocada pela própria direção do Sindicato, isso mereceria um post inteiro).

As palavras da mãe de Sininho fizeram o sino que existe dentro de minha cabeça tilintar também. Até pouco menos de um ano, ninguém jamais havia ouvido falar dessa jovem gaúcha, criada no estado do Rio. Mas, de lá pra cá, a "temível" Sininho ganhou uma dimensão impressionante no panorama político-social brasileiro. Fiquei a pensar no porquê dessa ascensão meteórica; no que fez dela um ícone. Com o aval de quem, teria se transformado numa suposta representante-mór dos jovens manifestantes? Por que passou a ser apontada como a face descoberta dos mascarados Black Blocs?


Numa pesquisa na Internet descobri que outras pessoas também estavam se questionando sobre isso. E algumas delas, como eu, acreditam as pergunta acima têm a mídia como resposta. Jornais, revistas, sites e TVs teriam uma grande responsabilidade no manuseio do barro do qual foi moldada essa “criatura”.

No artigo “Sininho n’O Globo, ou, como construir um inimigo público”, na Revista virtual Pittacos (http://revistapittacos.org/2014/07/23/sininho-no-globo-ou-como-construir-um-inimigo-publico/), Sergio Martins faz uma cronologia das aparições da jovem no jornal. O texto, que pode ser lido no link acima não reflete, em sua íntegra, a minha opinião. O utilizo, aqui, apenas para pinçar passagens das aparições de Elisa Quadros no jornal citado:

...A primeira aparição de Sininho nas páginas do jornal foi na famigerada capa dos '70 vândalos', de 17 de outubro 2013, a mesma que rendeu do editor-executivo Pedro Dória elogios à equipe por 'revelar personagens'. Lá ela era 'Sininho do barulho'.”... “O começo da construção do personagem é mais espaçado. Em 25 de outubro, o jornal fotografa Sininho falando para professores em greve... Com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, o tom das matérias se inflama. No dia 13, Sininho aparece num box de 'perfis', dentro de uma série de reportagens intitulada “Ataque à Liberdade de Expressão”, na companhia de Jonas Tadeu e Fábio Raposo. O 'perfil', escrito por Elenilce Bottari, vem com o título: 'Com nome de fada, mas fama de encrenqueira' – uma reedição do 'Sininho do barulho'.”... “Sininho aparece novamente numa matéria de 16 de abril sobre – mais uma vez – um protesto que terminou em 'baderna'. Mais precisamente: 'O protesto, que começou pacífico e contou com a presença de ativistas como Elisa Quadros, a Sininho, virou uma verdadeira baderna à tarde'...”

                                                           Capa citada por Sergio Martins.

No site do Observatório da Imprensa, o artigo “A mídia vai criar um mito”, da jornalista Ligia Martins de Almeida, também aborda esta questão da criação da personagem midiática. (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed786_a_midia_vai_criar_um_mito)


...Os jornais e revistas estão felizes. Conseguiram dar uma cara aos black blocs, culpados pela morte do cinegrafista Santiago Andrade. E, para alegria dos pauteiros sensacionalistas, a cara dos black blocs é uma morena miúda, bonitinha, de cabelos curtos que, como se não bastasse, ganhou dos colegas de confusão o apelido de Sininho. Se a cara dos black blocs fosse a de um dos mascarados, o apelo seria bem menor. A verdade é que, até agora, as imagens de TV ou fotos de revistas e jornais não tinham dado destaque às mulheres entre os mascarados. Naquela multidão usando bonés e máscaras, a cara limpa de Sininho faz a alegria dos fotógrafos...”


A até então desconhecida personagem ganhou uma reportagem de capa da revista Veja, em fevereiro deste ano. 



Na matéria “Os segredos de Sininho”, há trechos acusatórios, como os seguintes:

...Três personagens foram fundamentais para revelar a face mais sinistra dos black blocs: Fábio Raposo, o Fox, que carregou o rojão que atingiu o cinegrafista; Caio Silva de Souza, o Dik, que levou o artefato até perto da vítima; e Elisa Quadros, a Sininho, militante ativista (a definição é dela) que surgiu do nada para oferecer ‘assessoria jurídica’ aos dois acusados e não parou mais de aparecer.”... “Sininho posta vídeos com frequência, às vezes com o exc-namorado conhecido como Game Over. Articulada, gosta de mandar – em passeatas é vista apontando a direção a ser tomada pelos mascarados...”
A revista também foi criticada por ter feito uma montagem na imagem da foto de abertura com Elisa passando em frente a um grupo de manifestantes. Uma “photoshopada” básica, com fortes indícios de manipulação editorial.


O texto completo da matéria pode ser lido aqui: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx

Avessa às entrevistas (alega que sempre terá suas falas manipuladas), na ocasião do caso Santiago (cinegrafista da Band morto ao ser atingido por um rojão disparado por manifestantes), Sininho se utilizou de um vídeo veiculado pelo jornal Nova Democracia para responder às acusações de envolvimento com o caso. (https://www.youtube.com/watch?v=VO5-s7Fzmlo)

Numa oitava abaixo à da Veja, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre traçou um perfil de Elisa. Ouviu pessoas que a conheciam e tentou traçar sua trajetória pregressa, coisa que nenhum meio de comunicação tinha feito, até então, de maneira satisfatória. Mesmo assim, no texto, há afirmações bastante vagas sobre a jovem e, jornalisticamente, bastante questionáveis. (http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/02/quem-e-sininho-a-ativista-que-virou-personagem-nos-protestos-dos-black-bloc-do-rio-4419794.html)

A grande exposição tornou Sininho figura pública e, por isso mesmo, sujeita às mais variadas interpretações de seu comportamento. Nas redes sociais é aclamada e apedrejada.


No texto publicado na comunidade Mães de Maio, no Facebook, uma manifestação de total solidariedade à jovem.(https://www.facebook.com/maes.demaio/posts/490651784403860):

Vejo o rosto bonito de Sininho. Tão jovem, poderia ser minha filha. Vasculhada, espionada, perseguida, encarcerada arbitrariamente e, mesmo assim, não conseguem encontrar um mísero indício de que ela tenha cometido qualquer ato que vagamente se assemelhe a um crime... E nada, nada que demonstre que ela fez qualquer coisa além do que eu e tantos outros fazemos todos os dias: ativismo político.”

Ainda na Rede, Sininho virou “garota da capa” da fictícia revista Playblock,  montagem publicada no blog ex-Casseta Hélio de La Peña. (http://www.casseta.com.br/lapena/)


Mas, também houve quem avacalhasse o estardalhaço da imprensa em relação às acusações contra a jovem.

Não bastassem os fatos já citados aqui, há poucos dias Elisa voltou às manchetes. Havia sido presa por suspeita de envolvimento na tal “Operação Junho Negro”.
O novo tumulto e a agressão a jornalistas após sua libertação acoplaram seu nome, mais uma vez, à baderna, à violência e ao vandalismo.
Na tal surpreendente reunião no Sindicato, casa dos jornalistas, Elisa levantou a voz e de dedo em riste, disse nunca ter agredido jornalistas.

“Eu nunca fui agressiva com nenhum jornalista"..."Ao contrário, já me botei na frente de vários aqui.” … “Sinceramente, a culpa não é do profissional e a gente sabe disso. Estou aqui por consideração e agradecimento por todos que lutaram por nossa liberdade e por respeito a este sindicato.”


A memória seletiva de Elisa só não permitiu que ela se lembrasse de quando chamou de "carniceiros" os jornalistas que estavam reunidos numa delegacia alguns dias depois da morte do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade. Veja o vídeo.

https://www.youtube.com/watch?v=5KORQoASUfs

Além disso as palavras de ordem entoadas na reunião por Sininho e outros manifestantes, com os punhos cerrados (Presos políticos! Liberdade já! Lutar não é crime! Vocês vão nos pagar!) soaram bastante ameaçadoras à categoria.

Na minha opinião, não há dúvidas de que Elisa Quadros, a “Sininho”, foi catapultada pela mídia para ser a face dos Black Blocs, mas essa convicção me leva a outras questões:

Será que a própria Elisa não passou a se aproveitar desse papel que lhe foi imposto?
Será que está achando essa superexposição prejudicial, como alega sua mãe, ou a fama lhe cai bem?
Será que está usando o assédio da mídia para justificar sua agressividade?
Será que está tentando ser a líder de um movimento que se autoproclamava sem lideranças?

Em gravações autorizadas pela Justiça, ao cogitar um possível exílio na Inglaterra, Elisa chega a se colocar como uma figura de visibilidade internacional...


"...Exílio, querendo ou não, tem um poder político muito forte. Imagina a pessoa ser exilada agora, seria um poder político forte se eu fizesse isso, se tivesse uma boa campanha internacional. Porque essa perseguição que eu estou vivendo não vai acabar. ... Realmente, um país democrático, antes das eleições, uma pessoa que está em foco nacional e internacional se exila. Você acha realmente que isso vai passar super tranquilo? Ah, ‘é como se ela estivesse indo na padaria’? Óbvio que não, isso vai ter um apelo!... Vai ser forte, vai dar para usar isso em nosso favor...".
 
Ela pode não ser tudo o que acredita ser, mas alguém duvida que se Elisa tivesse se candidatado a um cargo eletivo (isso não é mais possível em 2014) teria sido eleita?
Talvez isso até possa acontecer em pleitos vindouros. Não seria a primeira vez na história política do País manifestantes se tornaram parlamentares (Lindbergh Farias é o exemplo mais recente). E vejam: isso não é uma crítica. Até porque, em uma Democracia, a mudança deve passar pelos poderes constituídos.
Mas seria até curioso ver alguém que demoniza o esquema vigente participar dele...
Os próximos capítulos dessa história são difíceis de prever. Vai depender de outros fatores. Este é um ano de eleições. Vamos ver como se comportam os grupos de manifestantes. Irão apoiar alguém? Irão contra todos? Sininho continuará sendo a "musa" black bloc, ou desaparecerá da mídia em breve (mesmo que não queira)? Aparecerão outras caras para o movimento? Ou o movimento simplesmente se diluirá?

Vamos ter que esperar para ver.

E esperar, também, que a cobertura mídia não se apegue tanto à criação de mitos ou ícones; mas aí, creio eu, já é esperar demais...

quinta-feira, 24 de julho de 2014

HOMENAGEM ARMORIAL

O Brasil não é um. São muitos os "Brasis". Na nossa imensa extensão territorial existe uma diversidade cultural imensa que, infelizmente, muitas vezes, acaba sucumbindo à Indústria Cultural que chega a todos nossos rincões levada pela mídia do Sul Maravilha.
É certo que bem longe de quem está de frente para o mar e de costas para o país, esses "Brasis" buscam sobreviver, manter suas identidades... As festas populares, os costumes, a culinária, a música e a literatura são seus cavalos de batalha.
Pois um desses cavaleiros se foi ontem. Ariano Suassuna seguiu a trilha de João Ubaldo Ribeiro, seu companheiro nordestino e silenciou um pouco mais a voz do Brasil Sertão, o Brasil Agreste...
Outros autores nordestinos já haviam descrito a realidade da região e do povo com maestria, mas a obra de Ariano tem uma qualidade que a torna especial; a dura realidade está no pano de fundo, mas a riqueza de seus personagens, o bicho-homem (bicho-mulher, bicho-criança...) nordestino, que ganha brilho e nos mostra o privilégio de sermos a soma de tantos Brasis. 
E os nordestinos se identificavam com a obra do mestre Suassuna... Não é á toa que as mais bonitas charges e as capas de jornal mais inspiradas vieram de lá.
Tudo bem que a morte do escritor já era esperada e que houve tempo para pensar numa bela homenagem, mas isso, é claro, não tira o mérito desses profissionais. Confiram.

                                                               Brum - Tribuna do Norte (RN)

                                                               Clayton - O Povo (CE)

                                                                 Jarbas - Diário de Pernambuco

                                                               Sid - chargeonline.com.br




 Justiça seja feita para dois outros jornais com belas capas. Um de Minas, que lá pelo norte também tem seu sertão, e outro de Brasília, onde não faltam nordestinos.



segunda-feira, 14 de julho de 2014

UMA COPA, DOIS TÍTULOS

Desde a semana passada venho pensando em escrever um post sobre a relação entre os brasileiros e a seleção alemã. Achei, contudo, mais válido esperar a decisão da Copa, para uma avaliação completa.
Quando eis que na manhã desta segunda-feira (14/7) me deparo com um texto do mestre Hugo Lovisolo, argentino e amante da bola, escrito na manhã pré-decisão, e que tinha como título: "Porque os brasileiros torcem pela Alemanha" (http://comunicacaoeesporte.com/2014/07/13/porque-os-brasileiros-torcem-pela-alemanha/). Em sua dissertação, Hugo discorre possíveis causas para o fato da torcida brasileira ser simpática à seleção que impôs a mais vexatória derrota de toda a centenária história de nossa seleção.

Não pretendo aqui responder a tão complexa questão, mas, sim, tentar expor algumas possibilidades também.

1 - O torcedor brasileiro adora implicar com um rival. As provocações clubísticas são o combustível para a paixão pelo futebol em terras tupiniquins. Quando transportamos isso para uma Copa do Mundo, a Argentina passa a ser o principal alvo das implicâncias, seja pela proximidade, seja pela implicância recíproca. Já foi assim com o Uruguai, mas a seleção deles está há tantos anos sem incomodar, que o sentimento esmaeceu. De acordo com outro amigo e professor da Uerj, Ronaldo Helal, houve um recrudescimento desse sentimento entre brasileiros e argentinos de alguns anos para cá, principalmente após a Era Maradona. Os argentinos que, segundo ele, sempre odiaram amar o Brasil, passaram a copiar a implicância e as provocações brasileiras. As manchetes do Diário Olé são um exemplo. Com a eliminação brasileira nas semifinais, houve, no meu entender, o temor brasileiro de que o quadro se agravasse ainda mais com um título argentino em nosso quintal. Um novo Maracanazo e desta vez sem que a nossa seleção precisasse entrar em campo. Um novo fantasma em azul e branco ameaçava assombrar os torcedores brasileiros pelas próximas décadas, daí o jeito era torcer pela Alemanha, bem mais inofensiva em termos de bullying futebolístico

2 -  Acho que a globalização do futebol também pode ter influência no caso. O fato de a maioria dos jogadores que atuaram na Copa (inclusive os nossos) fazerem parte de times que disputam campeonatos acompanhados pela torcida brasileira durante o ano todo (Bundesliga, La Liga, Premier League, Campeonato Italiano, UEFA Champions League e outros) faz com que eles sejam mais íntimos de nós e, com isso, mesmo sendo adversários, tenham uma maior simpatia de nossa parte. Ok, os argentinos e, principalmente, Messi também estariam incluídos neste ponto (e ele tem um gigantesco séquito de fãs entre os brasileiros), mas aí, novamente, a questão da rivalidade continental pode ter pesado.

3 - O brasileiro gosta de ver o bom futebol. Seu orgulho é de não apenas ser pentacampeão, mas também de ser conhecido pelo talento de seus craques. A derrota para a Alemanha teria demonstrado de forma cabal o quão errado está o nosso projeto de futebol e o quanto podemos melhorar. A Alemanha e a Holanda vinham apresentando um futebol mais bonito aos olhos brasileiros e se a final fosse entre essas duas seleções, talvez a tendência da maioria da torcida brasileira seria apoiar os holandeses, que bateram na trave tantas vezes e nunca conseguiram um título. Já, a Argentina, apesar de chegar à final, não vinha mostrando o futebol vistoso que a torcida brasileira esperava. Ganhou seus jogos por placares magros e levou sufoco de adversários bem mais fracos como Bósnia e Irã, por exemplo.

4 - O quarto ponto tem a ver com o título desta postagem. O trabalho de Relações Públicas realizado pela Federação Alemã durante a estada da seleção germânica em solo brasileiro. E é sobre esta iniciativa de sucesso que discorro daqui pra frente.

O século passado não foi nem um pouco generoso para a imagem da Alemanha diante do mundo. Em solo germânico brotaram duas das maiores vergonhas da Humanidade: o Nazismo e o Muro de Berlim.
Mas o que ficou patente para mim quando estive na capital alemã, no início de 2014, é que os alemães decidiram encarar esses traumas históricos de frente ao invés de minimizá-los ou tentar ocultá-los. 
Na capital alemã, as marcas do Nazismo e os restos do Muro estão expostos, como cicatrizes, para lembrar o que aconteceu e alertar as novas gerações sobre o quanto aquilo foi prejudicial e o quanto é importante evitar que se repita. 
Para boa parte da população mundial, no entanto, essas cicatrizes ainda são vistas como graves defeitos carimbados na imagem dos alemães, mesmo depois de todas as mudanças que ocorreram no país e mesmo após tantos anos passados. 
Um exemplo foram as postagens em redes sociais que, estupidamente, relacionavam a seleção alemã com o Nazismo.


Os alemães sabem que muitos anos ainda vão passar antes que essa mancha desapareça do imaginário das pessoas.

E se olharmos por esse prisma, a grande preocupação com a imagem da Seleção Alemã durante a Copa faz bastante sentido. Na entrevista concedida após à partida final, perguntado por um jornalista brasileiro sobre o quanto a integração de seu selecionado com o país sede tinha sido importante para a conquista, Joachin Löw, disse que o objetivo deles era representar bem os mais de 80 milhões de alemães, dentro e fora de campo. E, com toda certeza, este objetivo foi alcançado durante o mês em que o selecionado campeão passou por aqui.

Antes da Copa, a atitude alemã de construir sua própria concentração pareceu antipática. Um esnobismo que parecia dizer que não havia local à altura dos jogadores alemães em solo nacional. Durante o decorrer dos dias, no entanto, essa impressão foi sendo desfeita.
 

Soube-se que o terreno era de propriedade de empresários alemães e que estes propuseram à Federação Alemã construir o local, que depois seria transformado em um condomínio. 

Além disso, a comunidade local de Santo André, distrito de Santa Cruz de Cabrália, no sul da Bahia, acabou sendo beneficiada. Os alemães construíram e irão bancar uma escola no local, o campo de treinamento foi doado ao município, a estrada que leva ao local foi recuperada e duas tribos Pataxó receberam uma doação de 30 mil euros para a compra de uma ambulância. 



Veja o vídeo da visita dos jogadores à escola local.
 
https://www.facebook.com/photo.php?v=918769998134317&set=vb.119757088035616&type=2&theater  
Não é à toa que ao voltarem à Bahia, depois de golearem a nossa seleção, foram efusivamente recebidos pelos moradores vizinhos à concentração, totalmente encantados com os alemães.
Por falar em índios, a primeira atividade alemã na construção dessa amistosa imagem foi, justamente, o contato com indígenas Pataxós, que habitam o local desde que outros europeus, os portugueses, ali aportaram 514 anos antes. As cenas de jogadores alemães, inclusive Miroslav Klose, que fazia aniversário no dia, dançando com os nativos era meio descabida, mas ganhou a mídia, como não poderia deixar de ser em um país que adora mostrar estrangeiros se rendendo a seus costumes e tradições (coisa de colonizado).  


 

O curioso é que na comemoração do título, em pleno Maracanã, os campeões fizeram um círculo em volta da taça e tentaram repetir os passos indígenas praticados no começo do Mundial.
Com a ajuda de um professor de dança local aprenderam a dançar o Lepo Lepo e dois deles, o goleiro Neuer e o meia Schweinsteiger vestiram a camisa do Bahia e cantaram o hino do clube.

O próprio Schweinsteiger e Podolski já tinham posado com a camisa do Flamengo com seus nomes estampados nas costas. Esta associação Alemanha/Flamengo deu o que falar. A iniciativa da Adidas de lançar um segundo uniforme em preto e vermelho para a Copa teve como objetivo angariar a simpatia de flamenguistas e outros rubro-negros brasileiros para os alemães. O sucesso de vendas foi enorme. Com o Brasil de fora da final, no Rio de Janeiro, muitos torcedores flamenguistas foram às ruas no domingo com suas camisas, para apoiar a Alemanha. Mas, para a decepção desses torcedores da "Flalemanha", quando se dirigia para receber a taça, Schweinsteiger não aceitou levar uma camisa do Flamengo que lhe foi oferecida por um torcedor. Amigos, amigos, negócios à parte...

O maior embaixador alemão, contudo, foi Lukas Podolski. Ele quase não jogou durante a Copa, mas apareceu torcendo para o Brasil com a bandeira brasileira às costas e a toda hora postava mensagens em português com declarações de amor ao país. 

Após a goleada sobre o Brasil, com a ajuda de um amigo brasileiro, postou a seguinte mensagem para os torcedores brasileiros: 

brasil alemanha podolski (Foto: Reprodução / Instagram) 

Outro jogador que se mostrou solidário à seleção brasileira foi Özil, que escreveu em inglês no Twitter:


- Vocês têm um país lindo, pessoas maravilhosas e incríveis jogadores. Essa partida não deve destruir seu orgulho! #Brasil

Em sua página no Twitter, a Federação Alemã escreveu, em português, que “desde 2006 sabe como é doloroso perder uma semifinal no próprio país”. E completou: “Desejamos o melhor para o futuro e para vocês”. 

As notícias de que no intervalos os jogadores alemães fizeram um pacto para não impor uma derrota ainda mais humilhante também foram muito bem acolhidas pelos torcedores brasileiros.

Mas talvez a estratégia de RP que mais tenha feito sucesso foi um vídeo, com uma coletânea de imagens dos jogadores alemães no Brasil. Ao som da música "A luz de Tieta", de Caetano Veloso, eles foram mostrados se divertindo entre um treino e outro, na praia, andando de jet-ski, confraternizando com fãs e passeando por Santa Cruz Cabrália.

 

O vídeo, todavia, acabou sendo retirado do ar pela Federação Alemã, pois a empresária de Caetano, a "simpática" Paula Lavigne quis saber que tinha dado autorização para a utilização da música. 

Vendo as imagens, me lembrei quase que imediatamente de um filme feito com a Seleção Brasileira durante a Copa da Suécia em 1958. A descontração na concentração era a mesma e a eficiência mostrada em campo também. As cenas podem ser vistas nesse link abaixo:


E para finalizar, ontem, na comemoração em campo, vários integrantes da delegação alemã usaram uma camisa comemorativa da conquista que tinha às cotas um agradecimento especial ao Brasil pela maravilhosa Copa.

Por este somatório de fatores acho que a Alemanha conseguiu, além do título em campo, um outro título, a de seleção mais simpática do Mundial. Os mais céticos dirão que tudo foi arquitetado para a construção dessa imagem. Como profissional de Comunicação, tenho certeza de que a estratégia de Relações Públicas foi muito bem realizada, mas me parece, também, que o alto astral dos jogadores e sua identificação com a alegria de nosso país contou demais para que na final contra os hermanos nossos algozes não tenham sido vistos como vilões e sim como ótimos jogadores que mereciam levantar a taça.

Mais uma prova da eficiência  desses caras...