O ESPORTE ENCOLHEU...
A ideia para esse artigo surgiu de uma mudança de comportamento. Na, verdade, da retomada de um velho hábito: assinar a versão impressa de O Globo. Desde a pandemia, havia suprimido o costume da leitura matinal do jornal de papel. Por proteção, naquele período tão difícil que vivemos, ter um jornal manuseado por tantas pessoas até chegar à minha casa, me pareceu bastante imprudente e pouco salutar. Optei por ficar, apenas, com a versão digital.
O conteúdo era o mesmo, porém com o correr
dos anos e com a forte concorrência informativa dos smartphones, percebi
que lia cada vez menos conteúdo do jornal e que, portanto, tinha duas opções:
cancelar de vez minha assinatura ou tentar voltar a ler o jornal impresso como
fazia, desde de os tempos do velho e bom JB.
Optei pela segunda alternativa e depois de
pouco mais de um mês, me sinto feliz por ter resgatado essa prática. Hoje, no
papel, leio muito mais reportagens do que lia no celular. Além disso, a
prazerosa sensação tátil de um jornal impresso ainda me fala ao coração.
A decepção, contudo, se fez presente no
que tange ao noticiário esportivo de O Globo: mínimo e insipiente.
Poucas páginas, raras reportagens especiais e informações requentadas. A
cobertura digital acabou por “engolir” a editoria de esportes do impresso.
Como tantos outros garotos, comecei a ler
jornais por conta dos esportes, mais especificamente do futebol. Por causa
disso, até hoje tenho o hábito de ler jornais de trás pra frente. Explico: as
páginas de esportes ficavam, sempre, no final do primeiro caderno e era por ali
que começava minha leitura.
reprodução – Hemeroteca da Biblioteca Nacional
O cor-de-rosa
Rua Tenente Possolo, número 15, Lapa. Esse
era o endereço da redação do Jornal dos Sports, um prédio rosa, assim
como a tradicional primeira página do principal jornal esportivo do país
durante décadas. E onde comecei, com muito orgulho, minha carreira como
jornalista.
Fundado em 1931, o cor-de-rosa, como era
carinhosamente conhecido pelos leitores cariocas, começou a ganhar força cinco
anos depois, quando Mário Filho comprou o jornal com a ajuda de amigos como
Roberto Marinho e Arnaldo Guinle. E, mesmo depois da morte do jornalista que dá
nome ao Maracanã, o JS permaneceu com a família por muitos anos.
Era a principal fonte de notícias
esportivas da cidade e do estado. Além do noticiário diário e de extensas reportagens,
contava com colunistas de peso que abrilhantaram o Jornal dos Sports
durante décadas, como: Nelson Rodrigues, João Saldanha, José Inácio Werneck,
Roberto Porto, Juca Kfouri e Washington Rodrigues, entre tantos outros.
Passou pelas mãos de outros donos, como a
família Velloso, que comandou o JS por quase 20 anos. Foi nesse período que
entrei lá, em 1988, como estagiário. Dividir aquela redação com feras do
jornalismo esportivo era como estar num parque de diversões, e ainda ganhando
para isso. Minha primeira matéria ocupou três quartos de página. Onde mais isso
seria possível?
Também escrevia para o caderno dominical,
Segundo Tempo, com matérias de página inteira de outros esportes, e para o
caderno especial sobre Fórmula 1, que circulava a cada domingo de corrida.
Vivíamos o auge de Ayrton Senna.
O arquivo do Jornal dos Sports
ocupava uma grande área no térreo do prédio, com aquela enorme quantidade de
exemplares encadernados que nos serviam de fonte de consulta (não havia
Internet, meus jovens), além de um espetacular acervo fotográfico zelosamente
cuidado. Material que poderia render, certamente, um museu do fotojornalismo esportivo.
Onde isso foi parar, depois de tantos proprietários, sabe-se lá.
O JS deixou de circular em 2010.
Reprodução – vercapas.com.br
Olho no Lance!
O bordão utilizado pelo carismático
locutor de futebol Sílvio Luiz é apenas um jogo de palavras para introduzir
outro importante periódico esportivo, o Lance!, fundado pelo jornalista
Walter de Mattos Júnior, em 1997. Em cores e no formato tabloide, seguia um
modelo internacional de sucesso, que tinha o espanhol Marca como maior
representante.
Com uma linguagem moderna e descontraída,
tinha duas edições regionais: RJ e SP. Também chegou a ser publicado em Minas
Gerais e no Rio Grande do Sul, por um menor período de tempo.
No final da década de 2000, chegou a ter
450 funcionários e se tornou o décimo jornal brasileiro em circulação, com
cerca de nove milhões de usuários únicos. Tinha seu próprio parque gráfico. O
do Rio funcionava no mesmo prédio onde ficava a redação, no bairro do Estácio.
O Lance! também publicou as
revistas A+, lançada em 2000, e a Fut!Lance, lançada em 2008. A
versão impressa deixou de circular em março de 2020, mantendo apenas a versão on-line,
que permanece no ar, só que, agora, nas mãos de um grupo de investidores.
Sinal dos tempos
Nos jornalões, o espaço dedicado aos
esportes vem caindo gradativamente, junto com a queda da tiragem dos jornais
impressos. Queda é até uma palavra suave se compararmos a circulação diária no
país. No ano 2000, esse número ultrapassava os 7,2 milhões de exemplares por
dia. Um quarto de século depois, pasmem, a média da tiragem diária é de menos
de 400 mil exemplares (dados do IVC - Instituto Verificador de
Comunicação).
Reprodução – O Globo
Para exemplificarmos essa tendência, na
prática, fomos buscar os dados no acervo do jornal O Globo. Levando-se
em consideração que o noticiário esportivo das segundas-feiras é o mais
volumoso, em razão das rodadas de fim-de-semana de campeonatos de futebol,
decidimos comparar o número de páginas dos cadernos de esportes de O Globo
desse dia da semana, em três décadas:
abril de 2005 |
10 páginas |
abril de 2015 |
6 páginas |
abril de 2025 |
4 páginas |
Ao constatarmos esse declínio, decidimos,
também, analisar o conteúdo editorial desse noticiário e, para isso,
determinamos uma amostragem bem atual: as edições de O Globo de 30 de
março a 28 de abril de 2025.
Nesse período de um mês, houve 92 páginas
dedicadas aos esportes (consideramos algumas meias páginas como páginas
inteiras). Uma média de pouco mais de três páginas diárias. Os 221 textos
jornalístico dessa editoria (notas, pequenas, médias e grandes reportagens e
matérias especiais) foram divididos em três categoria: futebol, outros esportes
e reportagens especiais (de página inteira). O resultado foi este:
Futebol |
186 textos |
Outros esportes |
28 textos |
Reportagens especiais |
4 textos |
Como é possível perceber, nos dias hoje,
como sempre, no Brasil, o futebol ocupa a ampla maioria de espaço nas páginas
de esportes. Outras modalidades vêm, na maioria das vezes, a reboque de grandes
eventos ou conquistas. No período analisado, verificamos dois exemplos: a
conquista de mundial de tênis de mesa por Hugo Calderano e a entrega do prêmio
Laureus, o Oscar do esporte, para a ginasta Rebeca Andrade.
Na tabela abaixo, seguem as modalidades
presentes no jornal, nesse período:
Automobilismo |
5 |
Surfe
|
1 |
Basquete |
4 |
Natação |
1 |
Tênis |
4 |
Skate |
1 |
Tênis
de mesa |
3 |
Voleibol |
1 |
Atletismo |
3 |
Judô |
1 |
Ginástica
artística |
2 |
Futebol
Americano |
1 |
Possibilidades
Com tão pouco espaço e com problemas
editoriais, como textos envelhecidos pela concorrência do digital, e restrições
de cobertura impostas por assessorias de imprensa, principalmente em clubes de
futebol, haveria ainda alguma perspectiva para o jornalismo esportivo dos meios
impressos?
Nos parece claro que a credibilidade e a
qualidade dos conteúdos são fundamentais para atrair e fidelizar leitores. Como
não é possível competir em termos de noticiário factual, o jornalismo esportivo
impresso poderia se diferenciar através do aprofundamento, de pautas
exclusivas, da análise de dados e do espaço para o jornalismo de opinião. Algo
que parece ainda distante se levarmos em consideração o percentual atual de
conteúdos especiais, como vimos acima (4 reportagens especiais em um mês).
Não se trata de “inventar a pólvora”. Em
2008, numa viagem à Argentina pelo Observatório da Imprensa, programa comandado
por Alberto Dines, na TV Brasil, entrevistamos Jorge Fontevecchia, presidente
do grupo Perfil, e, já naquela época, ele defendia essa fórmula. Ia além, por
ele, os jornais impressos só deveriam circular aos finais de semana, quando as
pessoas dispõem de mais tempo para a leitura.
O jornalismo esportivo impresso pode e
deve se beneficiar de recursos extras como conteúdos digitais complementares
(vídeos, infográficos, áudios), disponíveis através de links e/ou QR
Codes. A inteligência artificial também pode ser usada para analisar dados e
gerar valorosas informações sobre o desempenho dos atletas, por exemplo. Inciativas
capazes de oferecer conteúdo de qualidade e experiências imersivas para o
público.
O desafio de competir com as plataformas
digitais pode ser, portanto, uma oportunidade da editoria de esportes de
revistas e “jornalões” se reinventarem e encontrarem seu lugar no cenário
midiático. O futuro dependerá, com toda certeza, da capacidade de adaptação aos
novos tempos, que já nem são tão novos assim. Quem viver, lerá.
Nota do autor: Sim, a escolha das
ilustrações foi tendenciosa.
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