terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

As saborosas palavras da doceira Cora Coralina

Quem nessa vida, por paixão ou devaneio, já não tentou escrever um poema?
Durante alguns anos de minha juventude escrevia versos em profusão. Pedia ajuda às palavras para expor meus sentimentos, ainda que só para mim mesmo. Não vou dizer que eram bons poemas (longe disso), mas, com toda certeza, cumpriram seu papel.
Não os guardei e acho que fiz bem. Hoje, não tenho dúvidas, soariam bobos, ingênuos, imperfeitos... Porém, como me fazia bem escrevê-los, fosse numa mesa de bar, regada a chopes, fosse no silêncio do meu quarto.
Foi nessa época que meu amor pelas palavras recrudesceu.
Descobri autores, a prosa, a poesia.
Sorvia Vinícius, me encantava com Veríssimo (o pai), deslumbrava-me com Drummond.
E o que falar das letras das músicas de Chico, Caetano, Gil...
Estava definitivamente entregue a esta paixão.
Depois vieram tantos outros, de tantos estilos diferentes, mas, desde sempre, os que mais me atraíram foram aqueles autores que com uma naturalidade que mais parecia beirar a displicência, conseguiam expor suas ideias, suas histórias, seus causos, como se estivessem ao meu lado, como se fossem velhos conhecidos.
Foi por isso que sempre amei a obra de Fernando Sabino; por isso que os poma de Mário Quitana tanto me atraem.



Tudo que escrevo, ou que escrevi até hoje tenta seguir esta linha. Fazer com que meu texto flua, que seja lido com prazer. O mesmo prazer com que os escrevo.
Neste fim de semana, mais um autor entrou para este meu hall de favoritos. Trata-se de Cora Coralina.



O mais curioso é que, apesar de nunca ter lido nenhuma obra dela, sua figura sempre me fora muito simpática, cativante.
Tempos atrás, tentei ver uma exposição sobre ela no Museu da Língua Portuguesa, em Sampa, mas quando lá estive, a mostra já tinha saído de cartaz.
O destino, no entanto me deu mais uma chance. Ao visitar o Centro Cultural Banco do Brasil para ver a ótima exposição sobre Escher (eu recomennnnndo...), tive a bela surpresa de descobrir, no segundo andar do CCBB  aquela mostra sobre a poeta goiana, só que, agora, ampliada.
Foi paixão ao primeiro texto.
Os trechos recolhidos pelos organizadores mostravam um casamento perfeito entre singelez e força.

Sozinha...
Na estrada deserta, sempre a procurar
o perdido tempo
que ficou pra trás.

Do perdido tempo.
Do passado tempo
escuto a voz das pedras:

Volta... Volta... Volta...
E os morros se abriam para mim
imensos braços vegetais.

As imagens, nas dezenas de fotos me transportaram para o coração do Brasil, um canto do país tão diverso do que vivemos e que acompanhou a trajetória desta mulher, que soube fazer sua história, com determinação e paixão, como ela mesma afirma neste trecho do livro "Vintém de cobre":

Eu sou aquela mulher
a quem o tempo
muito ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos.
Ser otimista.



À frente de seu tempo,  Ana Lins dos Guimarães Peixoto (seu verdadeiro nome), lutou pelos direitos da mulher em tempos em que isso era quase uma blasfêmia e só conseguiu lançar 3 livros em vida, o primeiro aos 76 anos de idade e o último aos 94.
Se dizia melhor doceira do que poeta e considerava a culinária a maior das artes.



Mas, deliciosos, são mesmo seus versos e percorrer esta exposição é se fartar deles e depois ainda lamber os dedos.
Para fechar, um trechinho que cita justamente o que estávamos falando lá em cima: o ofício de escrever e o talento de escrever bem.

Poeta é ser ambicioso, insatisfeito,
procurando no jogo das palavras,
no imprevisto do texto, atingir a perfeição inalcançável.

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