quinta-feira, 6 de março de 2014

A VIDA COMO ELA É (OU FOI)


Vamos botar uma pedra em cima dessa história e esquecer tudo...
Quem nunca ouviu essa expressão?
Ela pode ser até eficaz em termos de relações interpessoais (mesmo assim, duvido), mas quando se trata da história de um país, de seu povo, não podemos sair semeando pedras impunemente.
Quando se esquece a História (se é que é possível), corre-se o risco de repetir erros.
Vejam exemplos de postagens veiculadas nas redes sociais recentemente.



Citar ditadores como profetas ou apontar comandantes de atrocidades como líderes é um pouco demais pra mim ou para qualquer um que preze a liberdade.
Quando não se conta a História como ela aconteceu de fato, abre-se precedentes perigosos.
E, infelizmente, é o que se tenta, a todo momento, em nosso país. Ocultar, disfarçar, descontextualizar.
Vejam o caso da Ditadura Militar, cujo Golpe (que insistem em chamar de revolução) completa, em alguns dias, 50 anos. Até hoje há um esforço enorme de uma facção das Forças Armadas para ocultar fatos ocorridos durante os mais de 20 anos em que estiveram no poder.
Há quem busque a verdade, mas ela, muitas vezes, parece estar encarcerada nas mesmas masmorras onde ficaram detidos "presos políticos". Ou sepultada em covas não identificadas junto com os desaparecidos daquela época.
Há quem use a Lei de Anistia para justificar o silêncio. Como se tal lei servisse de borracha para apagar nossa história recente. "Se ninguém mais pode ser punido, por que remexer o passado?", argumentam.
Sinceramente, não sei se é o caso de ainda punir qualquer um,  como se faz em países como a Argentina, mas, com toda certeza, é preciso investigar as arbitrariedade, investigar o paradeiros de milhares e milhares de mortos durante o Regime, contar tudo o que aconteceu, doa a quem doer.
Sem isso somos obrigados a continuar a ouvir um general de pijamas dizer que Vladimir Herzog era apenas um covarde que não suportou a pressão do cárcere.
Investigações muitas vezes conduzidas por jornalista como Vlado, mostraram que ele foi torturado até a morte e que seu "enforcamento" na cela não passou de uma grande armação.
Graças a essa teimosia investigativa, casos como o das mortes de Stuart Angel e do deputado Rubens Paiva, estão sendo passados a limpo.
Mas e os demais? Aqueles que não tinham "nome" ou posição de destaque na sociedade; aqueles que pegaram em armas para defender suas causas; aqueles presos injustamente; aqueles que as famílias não conseguem provar, até hoje, que estão mortos. Quantos pais, mães, esposos, esposas, filhas e filhos ainda buscam os corpos desses desaparecidos? Não necessariamente para punir que os matou, mas para poder sepultá-los física e emocionalmente.
Tudo deve ser esclarecido.
Eu estava no Riocentro naquele show em que os militares pretendiam explodir bombas para endurecer o Regime, que já vivia climas de Abertura. Eu podia ter morrido naquele dia. Eu tenho o direito de saber exatamente o que aconteceu e quem foram os responsáveis.


 A Comissão da Verdade vem tentando avanços nesse sentido, mas as portas fechadas ainda são muitas. Doumentos destruídos ou considerados secretos, falta de colaboração e de pessoal.

A ideia de fazer este post veio depois de assistir a "12 anos de escravidão", ganhador do Oscar de melhor filme de 2014.  A história de um negro liberto, sequestrado e tornado novamente cativo, escancara a sociedade escravagista norte-americana. Expõe a realidade de uma época em que se achava normal tratar outro ser humano como propriedade, como um animal.  Agora imaginem se lá (como aqui também) não se permitisse falar sobre isso. Se pessoas achassem que por conta da lei que findou a escravidão, nada mais se deveria falar sobre ela? 


A História não pode ser ocultada e só as ditaduras se acham imbuídas deste poder, de escolher o que pode e o que não pode ser visto.
Quando estive recentemente em Berlim, na Alemanha, pude ter um exemplo de como se lida com o passado. A cidade foi palco de dois dos mais vergonhosos atos da raça humana  no século passado: a ascenção do Nazismo e a construção do Muro de Berlim. Mesmo assim, não há uma preocupação em se esconder esse passado, pelo contrário, ele está presente por ande se ande. Seja nas ruas ou em museus. Partes do muro ainda estão de pé, como provas de toda a sua estupidez.



Na praça onde se queimavam livros por ordem do Führer, há um memorial. Um buraco no chão com estantes vazias. 



E onde se situava a sede da Gestapo, Polícia Secreta de Hitler, foi instalado um museu chamdo "Topografia do Terror", que conta toda a trajetória do Nazismo, de seu surgimento à derrocada.



 E por falar em colocar pedras sobre a História, um fato que chama a atenção. Na frente desse museu, há um enorme terreno coberto por pedras, não para encobrir o que ali se passou, mas para mostrar que naquele pedaço do solo alemão, onde foram concebidas e cometidas tantas atrocidades, nada mais deve se erguer, nada mais deve germinar.



Um comentário:

  1. Rafael, também sou a favor de passar a limpo nossa história, temos o direito de saber todos os fatos, encontrar os desaparecidos, abrir os calabouços, mas sempre, sempre sem revanchismo E infelizmente ainda não podemos garantir isso, mas façamos nossa parte, como voce escrevendo, ensinando, divulgando exemplos brilhantes como esses relatados da Europa.

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