segunda-feira, 31 de março de 2014

XÔ, DITADURA!

O dia era 15 de janeiro de 1985, uma terça-feira. Nessa época eu trabalhava para a Artífice Propaganda, no Edifiício São Borja, no finzinho da avenida Rio Branco. Durante toda a manhã, um carro de som parado na Cinelândia nos lembrava, através da canção de Chico Buarque, a importância daquele dia...

"...Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa..."

Não precisávamos ser lembrados sobre o que aconteceria naquela data. Estavam chegando ao fim quase vinte e um anos de Ditadura Militar. O Brasil voltaria a ter um civil da presidência. Naquele instnte nem podíamos imaginar, no entanto, que o homem escolhido para assumir esse papel, não teria essa oportunidade. Tancredo Neves, eleito pelo Congresso Nacional, tivera problemas de saúde e fora internado na véspera da posse. Caberia a seu vice, José Sarney, assumir interinamente. Mas, o que era para ser uma interinidade se transformou num mandato de fato. Depois de uma longa agonia, acompanhada diariamente por todo o país, Tancredo faleceria em 21 de abril daquele mesmo ano..
Mas, naquele 15 de janeiro, ainda não havia motivos para preocupação. A democracia voltava ao país e isso era o mais importante.
À noite houve festa. Fui ao Circo voador. O local nunca recebeu tantos convidados ilustres numa mesma noite; os maiores nomes da MPB apareceram por lá. Não me lembro de ver a antiga lona tão cheia como naquele dia. Gente até no teto, literalmente. E foi de lá, de uma daquelas estruturas tubulares que partiu uma latinha de cerveja que atingiu o microfone no qual se apresentava James Taylor. O cantor estava na cidade para participar do primeiro Rock in Rio e havia decidido dar uma canja na nossa festa patriótica. Apesar do gesto imbecil do fulano, que antes do arresso gritara "EU QUERO ROCK'N ROLL", James acabou sua canção e se retirou para os bastidores, não voltando mais, apesar dos apelos da plateia. Uma pequena mancha na festa, mas o fato é que estávamos todos, público e artistas, em estado de graça.

  
Nasci um ano antes do Golpe, portanto vivi a Ditadura em toda a sua duração. Na infância, é claro, não tinha a menor noção do que acontecia, mas as influências do governo militar já me atingiam. E não é exagero. Tínhamos, na escola, uma matéria chamada Educação Moral e Cívica, na qual nos eram incutidos os valores da pátria e a importância de sermos patriotas. As campanhas nacionalistas também nos chegavam através dos meios de comunicação e até através dos álbuns de figurinhas. 





Noutro dia um amigo de FB postou fotos de um ábum de chapinhas metálicas que reproduziam todos os slogans do governo ditatorial.


No rádio e na TV a música composta por Dom & Ravel, dava o tom ufanista que vivíamos:

As praias do Brasil ensolaradas
O chão onde o país se elevou
A mão de Deus abençoou
Mulher que nasce aqui
Tem muito mais valor

O céu do meu Brasil tem mais estrelas
O sol do meu país mais esplendor
A mão de Deus abençoou
Em terras brasileiras
Vou plantar amor

A introduçaõ da música é feita ao som de um tarol no melhor estilo das marchas milittares. Quem tiver a curiosidade, pode ouvir essa "pérola", na íntegra, no link https://www.youtube.com/watch?v=pCe5Fi1buro

Em 1968, quando veio o famigerado AI-5, era um moleque. Em 1970 vibrei com o Tri e vi o General Médici com a taça nas mãos. O mesmo general que a imprensa mostrava com radinho de pilha colado no ouvido, escutando partidas de futebol (propaganda ideológica é isso aí).




Em 1972, as comemorações do Sesquicentenário da Independênncia ganharam um enorme destaque. Os militares aproveitavam para insuflar o nacionalismo e o presidente, como todo bom ditador, foi parar nas moedas que circulavam no País.


Na TV, o jornalista Amaral Netto, que depois seria eleito deputado e se tornaria um dos maiores defensores da pena de morte no país, tinha um programa na Globo: "Amaral Netto, o repórter". Nele, além das belezas naturais do país, também mostrava as realizações do governo militar. As obras que faziam parte do "Brasil Grande", reforçando o slogan "Ninguém segura esse país". Tinha todo o apoio das Forças Armadas para filmar o que quer que fosse. A proaganda valia  muito a pena.
Na época, não perdia um programa. Não tinha a menor noção de toda a manipulação ali envolvida. Gostava de ver lugares que só conhecia através dos livros de geografia, como as Cataratas do Iguaçu, o Atol das Rocas, a Pororoca do rio Amazonas.


Fui crescendo, acompanhando o Regime Militar, no começo como mero espectador, porém, com a juventude e o começo do questionamento em relação à situação que vivíammos, passei a me envolver mais. Participava de reuniões de alunos secundaristas que debatiam os rumos do país. A anistia chegava e com ela uma consciência política.


Com a abertura política, as leituras já não eram mais de livros de ficção. Buscava saber mais sobre a história recente do país. "O que é isso, companheiro?" e "Os carbonários" foram rapidamente devorados. Nas eleições fazia boca de urna para os candidatos da oposição. Nas Diretas Já estava lá, bem perto do palco, bem debaixo do sinal de trânsito da esquina da avenida Presidente Vargas com a Rio Branco. Nunca havia cantado o hino nacional com tamanha emoção. E  mesmo com a manobra absurda que barrou a emenda  Dante de Oliveira no Congresso (a transmissão da votação foi censurada), sabíamos que o Regime estava agonizando e que a Democracia era uma questão de tempo.


Daí a alegria naquela manhã de janeiro de 1985. Estávamos de volta aos trilhos da história.
E posso afirmar, tudo o que aconteceu de lá pra cá, de bom e de ruim, é muito melhor do que viver em meio a uma Ditadura.
Se alguns ainda insistem em querer a volta dos militares ao poder, eu só lamento.
Não quero mais pessoas como o nefasto Coronel Malhães como autoridade em meu país. Não quero figuras horrendas como essas que descrevem com naturalidade a forma macabra com que torturavam os opositores e ainda desapareciam com seus corpos.
Não quero mais saber de quarteladas, nem de suas técnicas tenebrosas.  
Não quero mais o silêncio, não quero mais o medo.
Se há muito o que melhorar, que façamos mudanças, mas dentro das regras do jogo democrático.
Que surjam novas lideranças interessadas em resolver os graves problemas do nosso país, que atendam os pedidos que vêm das ruas Que haja uma oposição mais atuante e menos golpista.

No dia em que o Golpe que me acompanhou durante mais de duas décadas compelta 50 anos, só tenho uma coisa dizer:

DITADURA NUNCA MAIS!

Um comentário:

  1. Para quem quiser se informar mais sobre o Golpe, um especial da TV ALERJ recomendado pelo amigo Francisco Tadini: https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=-ijqYCIVjK0

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