A música (Rio 40 graus) é antiga, mas
a definição da cidade não envelhece.
O Rio de Janeiro é exatamente isso.
Melhor do que outras cidades? Sim, em
diversos aspectos.
Pior do que outras? Sim, em tantos
outros.
Noutro dia vinha pro trabalho, pelo
Aterro do Flamengo, pensando exatamente nisso.
Estamos à beira de sediar os Jogos
Olímpicos e o momento que era para ser de extrema alegria e orgulho,
se transforma numa sensação de apreensão e de vergonha.
O Metrô que vai ficar pronto em cima
da hora, a ciclovia que desaba, o mumificado governador interino
decretando calamidade econômica, o aumento da violência. Não
faltam motivos para falar mal do Rio.
A questão é que também não faltam
razões para falar bem da cidade.
Curiosamente, dois textos escritos por
jornalistas paulistas sobre a cidade mostram bem o que estou falando:
“A vida é muito curta para morar no
Rio”, de Mariliz Pereira Jorge.
E “A vida é muito curta para falar
mal do Rio”, de Mônica Montone
As duas têm argumentos aceitáveis,
mas o fato de Mônica morar no Rio e Mariliz só visitar a cidade faz
toda a diferença. Explico: quem mora aqui e gosta realmente do Rio
de Janeiro sofre com suas mazelas, mas sabe identificar seus valores,
não como uma Poliana que acha que está tudo bem, mas como um
apaixonado que sempre sonha com a possibilidade da amada se
regenerar, por mais feridas que ela tenha causado em seu coração.
Com sua ironia carioquíssima Tom
Jobim falava que o Brasil não era para principiantes. Pois poderia
incluir o Rio de Janeiro nesse rol. Não o Rio de janeiro da infância
e da juventude dele, mas o Rio de Janeiro de sua maturidade; o Rio de
Janeiro de hoje.
E se para nós já é difícil conviver
com essa dicotomia entre amor e ódio, imagine para quem é de fora.
Vejam este vídeo da XXL Sports unites all:
Os estereótipos estão presentes, mas
a realidade também. Uma peça quase surrealista.
Mas é o que eu digo, se nós que
estamos aqui não conseguimos traduzir completamente essa mistura de
beleza e realidade, como exigir que alguém de fora o faça.
Nas próximas semanas o Rio de janeiro
terá o maior número de visitantes de sua história em um período
tão curto de tempo. A cidade se transformará numa vitrine. Uma
enorme vitrine vista dos quatro cantos do planeta. E às vezes a
imagem da cidade se mescla, no olhar estrangeiro, com a imagem do
país. Postei um vídeo da BBC sobre os jogos, com animais
tipicamente brasileiros praticando modalidades olímpicas e muita
gente se sentiu incomodada com a associação do Brasil e do Rio com
a selva. Talvez temerosos de que se estivesse reavivando aquela ideia
de que há cobras e macacos nas ruas da cidade (micos há e muitos).
Já no vídeo da NBC, o samba é que dá
o tom.
Mas, afinal, não temos a maior
floresta urbana do mundo? Não temos o samba como maior manifestação
cultural? Então como se dissociar disso?
Acho que para quem aqui estará e para
os bilhões de espectadores dos Jogos Olímpicos a imagem será das
melhores. A Olimpíada será um sucesso, a não ser por algum
acontecimento grave totalmente fora do esperado. Foi assim na Rio 92
e na Rio+20, foi assim no Pan, foi assim na JMJ, foi assim na Copa.
O carioca, por mais que tenha suas
ressalvas aos Jogos, vai receber bem os visitantes e vai ficar feliz
de vê-los felizes por aqui. É como dizem os versos de “Valsa de
uma cidade”, composta por Antônio Maria e imortalizada na voz de
Lúcio Alves:
“Vento do mar e o meu rosto no sol a
queimar, queimar
Calçada cheia de gente a passar e a me ver passar
Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta
Deste céu, deste mar, desta gente feliz”
Calçada cheia de gente a passar e a me ver passar
Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta
Deste céu, deste mar, desta gente feliz”
No tal do legado é que mora o perigo.
As autoridades juram de pé junto que a
cidade vai herdar dividendos do ciclo olímpico, mas quem já passou
pelo “legado” do Pan está escaldado. Que não venham surpresas
desagradáveis para o já combalido bolso do contribuinte. Que o
verdadeiro legado não seja apenas um campo público de golfe.
Queremos que os transportes continuem a
ser incrementados, que o BRT e o VLT se expandam, que o Metrô deixe
de ser apenas duas enormes “tripas”, que um bilhete único
decente seja estipulado para todos os meios de locomoção. Que a
segurança seja eficiente, que a saúde do sistema de Saúde melhore.
Que a Zona Portuária se revitalize, que novas opções de lazer, não
só na Zona Sul, proliferem. Que o Rio possa atrair mais turistas e
que eles e todos nós que aqui moramos possamos desfrutar de todo o
potencial que essa cidade oferece.
O Rio é um reflexo do que acontece no
país e o país reflete a crise que se apresenta nos mais variados
pontos do planeta. Mas outras cidades já mudaram seus destinos. Aqui
é possível também. Potencial não falta. Falta, no entanto que
haja mais respeito com o nosso Rio, tanto das autoridades que têm a
“caneta” na mão, como dos próprios moradores que precisam
cuidar melhor do lugar onde vivem.
Parafraseando o queridíssimo Fernando
Pamplona:
O Rio não é melhor, nem pior, apenas
uma cidade diferente.
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