quarta-feira, 13 de julho de 2016

PURGATÓRIO DA BELEZA E DO CAOS

A música (Rio 40 graus) é antiga, mas a definição da cidade não envelhece.
O Rio de Janeiro é exatamente isso.
Melhor do que outras cidades? Sim, em diversos aspectos.
Pior do que outras? Sim, em tantos outros.

Noutro dia vinha pro trabalho, pelo Aterro do Flamengo, pensando exatamente nisso.
Estamos à beira de sediar os Jogos Olímpicos e o momento que era para ser de extrema alegria e orgulho, se transforma numa sensação de apreensão e de vergonha.
O Metrô que vai ficar pronto em cima da hora, a ciclovia que desaba, o mumificado governador interino decretando calamidade econômica, o aumento da violência. Não faltam motivos para falar mal do Rio.



A questão é que também não faltam razões para falar bem da cidade.



Curiosamente, dois textos escritos por jornalistas paulistas sobre a cidade mostram bem o que estou falando:

“A vida é muito curta para morar no Rio”, de Mariliz Pereira Jorge.

E “A vida é muito curta para falar mal do Rio”, de Mônica Montone

As duas têm argumentos aceitáveis, mas o fato de Mônica morar no Rio e Mariliz só visitar a cidade faz toda a diferença. Explico: quem mora aqui e gosta realmente do Rio de Janeiro sofre com suas mazelas, mas sabe identificar seus valores, não como uma Poliana que acha que está tudo bem, mas como um apaixonado que sempre sonha com a possibilidade da amada se regenerar, por mais feridas que ela tenha causado em seu coração.

Com sua ironia carioquíssima Tom Jobim falava que o Brasil não era para principiantes. Pois poderia incluir o Rio de Janeiro nesse rol. Não o Rio de janeiro da infância e da juventude dele, mas o Rio de Janeiro de sua maturidade; o Rio de Janeiro de hoje.

E se para nós já é difícil conviver com essa dicotomia entre amor e ódio, imagine para quem é de fora. Vejam este vídeo da XXL Sports unites all:

Os estereótipos estão presentes, mas a realidade também. Uma peça quase surrealista.

Mas é o que eu digo, se nós que estamos aqui não conseguimos traduzir completamente essa mistura de beleza e realidade, como exigir que alguém de fora o faça.

Nas próximas semanas o Rio de janeiro terá o maior número de visitantes de sua história em um período tão curto de tempo. A cidade se transformará numa vitrine. Uma enorme vitrine vista dos quatro cantos do planeta. E às vezes a imagem da cidade se mescla, no olhar estrangeiro, com a imagem do país. Postei um vídeo da BBC sobre os jogos, com animais tipicamente brasileiros praticando modalidades olímpicas e muita gente se sentiu incomodada com a associação do Brasil e do Rio com a selva. Talvez temerosos de que se estivesse reavivando aquela ideia de que há cobras e macacos nas ruas da cidade (micos há e muitos).


Já no vídeo da NBC, o samba é que dá o tom.



Mas, afinal, não temos a maior floresta urbana do mundo? Não temos o samba como maior manifestação cultural? Então como se dissociar disso?
Acho que para quem aqui estará e para os bilhões de espectadores dos Jogos Olímpicos a imagem será das melhores. A Olimpíada será um sucesso, a não ser por algum acontecimento grave totalmente fora do esperado. Foi assim na Rio 92 e na Rio+20, foi assim no Pan, foi assim na JMJ, foi assim na Copa.



O carioca, por mais que tenha suas ressalvas aos Jogos, vai receber bem os visitantes e vai ficar feliz de vê-los felizes por aqui. É como dizem os versos de “Valsa de uma cidade”, composta por Antônio Maria e imortalizada na voz de Lúcio Alves:

“Vento do mar e o meu rosto no sol a queimar, queimar
Calçada cheia de gente a passar e a me ver passar
Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta
Deste céu, deste mar, desta gente feliz”

No tal do legado é que mora o perigo.
As autoridades juram de pé junto que a cidade vai herdar dividendos do ciclo olímpico, mas quem já passou pelo “legado” do Pan está escaldado. Que não venham surpresas desagradáveis para o já combalido bolso do contribuinte. Que o verdadeiro legado não seja apenas um campo público de golfe.
Queremos que os transportes continuem a ser incrementados, que o BRT e o VLT se expandam, que o Metrô deixe de ser apenas duas enormes “tripas”, que um bilhete único decente seja estipulado para todos os meios de locomoção. Que a segurança seja eficiente, que a saúde do sistema de Saúde melhore. Que a Zona Portuária se revitalize, que novas opções de lazer, não só na Zona Sul, proliferem. Que o Rio possa atrair mais turistas e que eles e todos nós que aqui moramos possamos desfrutar de todo o potencial que essa cidade oferece.

O Rio é um reflexo do que acontece no país e o país reflete a crise que se apresenta nos mais variados pontos do planeta. Mas outras cidades já mudaram seus destinos. Aqui é possível também. Potencial não falta. Falta, no entanto que haja mais respeito com o nosso Rio, tanto das autoridades que têm a “caneta” na mão, como dos próprios moradores que precisam cuidar melhor do lugar onde vivem.

Parafraseando o queridíssimo Fernando Pamplona:
O Rio não é melhor, nem pior, apenas uma cidade diferente.







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