Ah, essas tais redes sociais...
Tão tentadoras...
Tão sedutoras...
Bastam algumas teclas apertadas e uma opinião se
torna pública. Dependendo do número de seguidores, se espalha, viraliza. E se o
teor da postagem for explosivo, polêmico, verborrágico, a repercussão ganha
ainda mais eco.
Deve ser por isso que boa parte daqueles que buscam
reconhecimento no mundo virtual estejam sempre com uma metralhadora destravada
e engatilhada.
Os atingidos por essas rajadas parecem ser
considerados vítimas inevitáveis no conflito dos egos virtuais. Afinal, se há
uma guerra, há feridos. E mortos...
Para essas pessoas, matar uma reputação é apenas um
efeito colateral. O importante é bater no peito, bradar pelo direito de
expressar a própria opinião e sentar bala.
Mas, como se diz por aí, o direito de um acaba
quando afronta o direito do outro.
Essa introdução toda é para falar sobre uma mulher
negra criada em um bairro chamado Cidade de Deus. Uma mulher que, aos 20 anos
de idade sentiu na pele e na alma toda a ira de uma parte tacanha e
preconceituosa da nossa sociedade. Uma mulher que teve que juntar os cacos para
não se deixar abater e treinar, treinar muito, para calar essas pessoas.
Quando você chama um negro de macaco e diz que ele
deveria estar em uma jaula ao invés de pisar no “sagrado” solo olímpico, você
pode achar que está apenas fazendo graça, que seus amigos vão te achar irônico
ou sagaz e pode ser que eles até achem mesmo. Afinal, gente assim se cerca de
iguais. Mas quando você tira esse raciocínio imbecil gerado por seus neurônios
e os expõe publicamente está cometendo um crime: injúria racial. E essa mulher chamada
Rafaela Silva, judoca, medalha de ouro nos Jogos Rio 2016 foi vítima desse
crime, cometido não apenas por uma pessoa, mas por muitas.
Quatro anos atrás, a atleta fora desclassificada por
ter aplicado um golpe que os juízes julgaram ilícito. A desclassificação a
levou direto para o paredón. Sem dó nem piedade foi alvejada por ofensas de
pessoas totalmente leigas no assunto, mas que sentiram-se à vontade para
libertar sua ira contra uma representante, segundo eles, indigna das “valorosas
cores da pátria”. E mesmo aqueles que não a ofenderam por sua cor de pele,
colocaram em dúvida sua honra como esportista.
Foi o caso da blogueira e tuiteira Dri Caldeira que
comanda o Canelada FC, classificado por ela mesmo como “o maior e melhor blog
independente sobre futebol brasileiro e internacional”. Mal acabou a prova nos
Jogos de Londres, enquanto Rafaela ainda chorava nos braços de sua treinadora,
a moça disparou pelo Twitter: “Cara, que vexame. Não te ensinaram a jogar
limpo? Mais uma que foi para fazer o Brasil passar vergonha e chorar”.
Conseguiu seu intuito. Ganhou manchetes.
Mas nada como um dia após o outro com muitas noites
no meio.
As lágrimas de hoje, de Rafaela Silva, foram de
alegria, para desgosto daqueles que a crucificaram na Olimpíada passada. Gente
que teve que ouvir calada o desabafo da judoca.
Lógico que isso não vai mudar em nada o
comportamento dessas pessoas. Vão continuar a ser preconceituosas, venenosas,
venais. No entanto, elas passarão e Rafaela Silva ficará.
A judoca já faz parte da histórica olímpica desse
país que não olha por seus atletas, que tem um incipiente trabalho de base em
quase todas a modalidades, mas que se sente à vontade para cobrar deles
desempenhos de primeiro mundo a cada quatro anos.
Rafaela Silva é exceção.
Poderíamos ter tantas outras no judô, no remo, no
tênis, no basquete, no atletismo, porém estamos ainda muito longe dessa
realidade. Meninas pobres, de comunidades carentes de todo o Brasil ainda terão
que contar com a sorte, ou o destino, quem sabe, para continuar a vencer suas
lutas não só contra as adversárias, mas contra a injustiça social e,
principalmente, contra o preconceito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário