quinta-feira, 25 de novembro de 2010

De bandeja

Fiquei impressionado com a repercussão do post anterior sobre o posicionamento de nossa imprensa na onda de violência que atinge o Rio. Seja por aqui, por e-mail ou via Facebook diversos amigos, "coleguinhas" ou não, deram sua opinião.
Este blog nunca foi tão visitado.
O assunto é polêmico e mobiliza nós todos.
Na tarde desta quinta-feira a TV Globo, aqui no Rio, passou quase cinco horas no ar, de forma ininterrupta transmitindo imagens dos confrontos na Vila Cruzeiro e, num determinado momento, conseguiu cenas realmente impressionantes dos bandidos em uma fuga desesperada. Imagens inéditas que mostravam marginais de rabo entre as pernas, acuados.





O problema, a meu ver,  foi que a cobertura se estendeu demais, graças, com toda certeza, a bons índices de audiência. Os helicópteros que participaram deste "esforço de reportagem" começaram, então, a buscar focos de incêndio que iam surgindo em pontos isolados do subúrbio.



Neste ponto vocês podem perguntar: e qual o problema? A emissora não estava prestando um serviço à população?
Para o BOPE não. Segundo a repórter Glauce Tolomei, pelo Twiter, o batalhão afirmava que os helicópteros da Redcord e da Globo estavam prestando um desserviço à população.
O problema, na minha opinião é o exagero.
Será que ao verem que qualquer foco de incêndio logo era mostrado pelas emissoras, bandidos não se sentiram ainda mais incentivados a colocarem fogo em outros veículos? Afinal este é o objetivo deles, mostrar seu poder de fogo (literalmente) e provocar medo.
É claro que não dá para dizer que foi isso que aconteceu, mas convenhamos que não se trata de uma hipótese absurda.
Pelo Facebook, meu amigo e bom jornalista Diogo Mourão lembrava:  "é o mesmo efeito de mostrar pichações, guardando todas as proporções".
E para quem acha que isso é uma teoria da conspiração, trago o depoimento de outra boa jornalista, a repórter Claudia Ramos: "...O Ibope dessas emissoras que transmitiram o tempo todo deve ter ido lá em cima e o que interessa é isso para eles. E bandido é antenado. Eles seguem tudo, sabem tudo. Lembro-me de uma entrevista que o Celsinho da Vila Vintén deu logo depois de ser preso. Ele sacaneou a imprensa dizendo que lia tudo o que saia e achava a maior graça das 'besteira 'que, segundo ele, era publicada. Mas, de qualquer modo, acho que o dever da imprensa é mostrar, o que não suporto é o sensacionalismo".

Nessa linha de que acabamos dando munição ao inimigo, o Jornal Nacional deu uma clara amostra do que estamos falando. O repórter Paulo Renato Soares fez uma matéria sobre os carros blindados da Marinha que estão sendo usados no apoio à Polícia.





O problema é que a reportagem dava todas as características técnicas dos veículos, como por exemplo ao dizer que um deles resiste até a balas de calibre 30. Ou seja, é o mesmo que dizer: bandidos, providenciem uma metralhadora ponto 50 que ela dá jeito (lembram-se de que há suspeitas de que foi uma metralhadora assim que derrubou um helicóptero da Polícia no Morro dos Macacos?).
Mais à frente a reportagem descrevia quantos militares são transportados em cada um deles e o alcance das armas.
Agora eu pergunto: pra que dar esses detalhes? Isso é para intimidar os bandidos? Se for essa a argumentação, não dá pra pensar que o tiro pode acabar saindo pela culatra? Será que não deveria ter se pensado nisso quando o "canto da sereia" de uma matéria exclusiva seduziu pauteiro e chefia?
Não bastasse, a matéria também descrevia em quais estradas o policiamento seria reforçado. Muito bom.... Permite que a bandidagem planeje rotas alternativas. Muito interessante mesmo...



Pra fechar, fica a pergunta: será que o melhor procedimento numa "guerra" é dar munição ao adversário?

10 comentários:

  1. rafa, e ao vivo a policia não pode agir como agiria se as tvs não estivessem ao vivo ja pensou nisso?

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  2. Entre outras coisas, o controle social da mídia (que é erroneamente confundido com censura)serviria para evitar que situações como essas ocorressem. Tem que existir alguma regulação no meio, isso vale para todas as profissões.

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  3. "Regulação do meio", "controle social"... nada disso seria necessário se a mídia cumprisse seu papel que é informar usando o bom senso. Helicópteros das emissoras buscando as melhores imagens e amedrontando a população é simplesmente lamentável.
    Mais uma vez, ótimas impressões Casé!

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  4. saiu uma reportagem na cnn hoje sobre o assunto. link.

    http://www.cnn.com/2010/WORLD/americas/11/25/brazil.rio.violence/index.html?hpt=Sbin

    acho que a imprensa deve continuar mostrando os carros sendo queimados e os grafites nos muros, mas em relacao a descrever o poderio belico da policia em detalhes estao errados.
    e os reporteres que mostram os bandidos em fuga ou atirando contra os policias, deveriam relatar estes dados a policia ANTES de mostrar ao vivo pela tv. estariam possivelmente salvando vidas dos policiais.

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  5. Ontem, depois daquela avalanche de cobertura, pensei nas mesmas coisas. Será que existe a ilusão de que bandido não vê TV? Não lê jornal? Não tem internet?

    É claro que sempre existem outras formas de obter informação que não a imprensa, como o bom e velho telefone e os informantes infiltrados, mas receber tudo de bandeja é muito mais simples, né?

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  6. A Responsabilidade é grande, a imprenssa precisa informar, mas o que, o quanto e quando é a grande questão. O que é pior, informar em excesso ou não informar? O quanto a sociedade apoia a ação em função justamente de estar acompanhando todos os fatos e com total transparencia. Também acho que foi informação demais, exagerada e que não agregou valor, mas acho o desafio de acertar o que, o quanto e quando muito grande, principalmente no momento do fogo cruzado (e aqui literalmente). Nao podemos ser engenheiros de obra pronta.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Olá, Casé!

    Concordo com o Sergio quando ele diz que as imagens da tv deveriam, antes de tudo, passar pela polícia antes de chegar ao público.

    Acho muita falta de filtro o Estado permitir que o público tenha acesso ao vivo a imagens tão cruas, e que podem ser tão violentas, antes da Secretaria de Segurança Pública.

    A imprensa, dotada de equipamentos e parafernalhas de última geração, coisa que nem o próprio estado deve ter, em um momento tão sério como esse, PODERIA servir como suporte de dados para o serviço de inteligência.

    Trabalho de equipe, já que a preocupação ali é 'apenas' evitar possíveis barbáries ao invés de levantar o real motivo pelo qual o Rio de Janeiro se transformou numa praça de guerra.

    Por que esse motivo a gente já sabe: o OBJETO do problema é a DROGA e para esse problema - de SAÚDE PÚBLICA mas TRANSFORMADO em SEGURANÇA PÚBLICA - ainda não sugeriram uma solução.

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  9. rafa, sempre fui de que aquele que muito fala da' bom dia para cavalo. Durantes estes anos de vida que ja' nao sao pucos vi muitos destes casos de superexposicao de fatos na midia, seja ela sobre violencia e/ou sobre a vida privada de um superstar e o que conclui e' que a culpa e' da populacao que anseia mais e mais por este tipo de informacao.
    Mudando de assunto por aqui comeca a nevar e a casa esta sempre a disposicao dos amigos e mais ainda de um irmao. Beijos em todos.

    Fabiano Sales
    Toronto On Canada

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  10. Oi, Rafa!
    O sensacionalismo é uma velha tática midiática para alavancar audiência ($$), até aí nenhuma novidade. Só que as redações estão cada vez menos críticas, com jornalistas menos preocupados em refletir sobre suas práticas (e suas consequências), cada vez mais pressionados pela concorrência em tempo real. Acho que ninguém tira dois minutos para pensar se seu trabalho dá munição para a bandidagem. O resultado é uma cobertura irracional que beira a histeria, um show de matérias levianas, explicações superficiais e uma coleção de aspas de "especialistas" que cumprem o protocolar papel de legitimar a abordagem dada pelas matérias. Aliás, recomendo o artigo do Luiz Eduardo Soares sobre isso, em http://luizeduardosoares.blogspot.com/ É longo, mas vale a leitura até o fim, quando ele questiona o Jornal Nacional.

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