segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O clima de "Já ganhou"

Este blog está longe de ser monotemático, mas pelo grande interesse das pessoas no tema da ocupação de áreas dominadas pelo tráfico, no Rio, não há como não continuar falando sobre o tema.
Nos últimos dias recebi diversos e-mails com textos que alertam sobre a situação. Alguns mais críticos, outros mais condescendentes.
Mas gostaria de falar, aqui, sobre o clima que percebi na imprensa de ontem e, principalmente, nos jornais de hoje.
Quem gosta de futebol conhece bem o termo "Já ganhou". Ele é utilizado às vésperas de um jogo fácil, quando o time se encontra confiante, achando que o resultado já está no papo. E muitas vezes, esse excesso de "salto alto" acaba complicando as coisas.



Numa leitura dos jornais de hoje e de suas manchetes, não só aqui, mas pelo Brasil afora, senti um clima de "Já ganhou". Um perigoso clima de "Já ganhou". Pois, se encararmos a situação com realismo, veremos que este jogo está muito longe de terminar.





Sei que é importante ressaltarmos conquistas. Sei que é importante mostrar que a bandidagem não é invencível ( muito pelo contrário, como já disse aqui, acho que a mídia sempre os elevou a patamares irreais) e sei que é importante mostrar o apoio popular às forças de ocupação, mas, novamente, peço equilíbrio.
No O Globo desta segunda-feira (29/11) o texto de primeira página do caderno especial foi uma ode ao que o jornal classifica como "uma conquista que ficará para sempre marcada na História da cidade".
Frases de efeito desdenhavam do poderio dos traficantes: "À medida em que os policiais progrediam morro acima, o mito do poderio da facção criminosa rolava morro abaixo". "Como ratos, chegaram a tentar fugir pelo esgotos".  Mais adiante o texto tece loas à eficiência da estratégia utilizada: "... o poder público revelou uma estratégia militar que consiste na progressão gradual e certeira sobre o territótio, semelhante à utilizada pelas trpas aliadas ao ocupar a Normandia, durante a Segunda Guerra Mundial...Assim como Paris foi retomada no passado, a polícia também, com passos milimetricamente pensados, recuperou o Alemão".
Isso é jornalismo, mesmo??? Só faltaram associar o complexo do Alemão, ao nazismo (já que é alemão também).
O objetivo de achincalhar com o tráfico foi levado a extremos. O Globo abre espaço, na capa do jornal para dizer que um dos bandidos "urinou nas calças na hora da prisão".
Outros jornais até mostraram a foto que comprovava o "fato", mas nenhum chegou a explicitar o detalhe.





Ufanismo vende jornal, mas não é jornalisticamente correto, pelo menos na minha modesta opinião.
Mas o que fica claro, analisando as primeiras páginas de diversos jornais espalhados pelo Brasil, que a invasão do Alemão é uma "luz no fim do túnel", não só para o Rio de Janeiro, mas como para todos os grandes centros urbanos que são atingidos pelo tráfico de drogas. O tom das manchetes reflete isso.







E não há como negar que o Rio de Janeiro, apesar de tudo e de todos, é a grande vitrine deste país. O que acontece aqui se reflete em todo o País e no exterior. No Cone Sul, a operação policial também ocupou as primeiras páginas.






O que acho é que a posição de nossa imprensa, pelo menos daqui pra frente, deve ser mais isenta, mais analítica, mais crítica. É preciso cobrar resultados não só na área policial, mas na área social também. O Estado tem que voltar a incluir essas áreas ocupadas no mapa da cidade. Não dá mais para recuar. Um retrocesso seria colocar em risco a vida de milhares de pessoas que deram a cara à mídia para legitimar as ações do poder público. O que seria delas no caso da volta do tráfico. O que seria do jovem Renê, um menino de 17 anos que mantém um jornal na comunidade e que foi exaltado pelo jornal O Dia por manter as pessoas de fora do morro informadas pelo Twiter.


As autoridades têm o dever de proteger essa gente e a mídia tem o dever de cobrar isso.
Cobranças como as que o Correio Braziliense já começou a fazer, indo na contra-mão do ufanismo reinante.


Agora, independentemente do conteúdo ideológico da foto abaixo, não há como não admirar o belíssimo fjagrante de Pablo Jacob, na capa do caderno especial de O Globo. É de uma felicidade digna de Prêmio Esso de Jornalismo.



Alguns podem dizer que foi sorte, mas é aquela coisa: a sorte só ajuda quem ajuda a sorte.

5 comentários:

  1. Nunca foi pessimista. Mas este show espetacular da midia e da política me preocupam muito.
    Números de Ibope, votos...Estou com a pulga - várias -atrás da orelhinha. Mas torcendo.
    Por favor, por onde andam os seiscentos bandidos de lá?

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  2. a manchete..."E agora" e o que eu penso. Durante a ""tomada "" do morro houve relatos de PM's recebndo propina e sendo cuidadosamente levados pra fora do morro. Cade as dezenas de bandidos armados ate os dentes que estao em TODAS as fotos da acao da retomada do morro, exibindo armamentos pesados, atirando contra os policias, e por fim escapando pro morro vizinho? cade eles? encontrar armas e po nao adianta, produtos serao recomprados, tem e que prender os bandidos, eles desceram tudo pro asfalto, ja ate avizaram a rocinha e o vidigal que eles sao os proximos....sera que vai ter alguem esperando por la? piada....

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  3. Casé,
    Também acho que o mais importante a ser cobrado a partir de agora é a ocupação social de todos estes lugares pacificados. Isso só vai ocorrer se a sociedade civil puder circular e investir nestas regiões. Como tomar uma cerveja no bar de alguém conhecido na Vila Cruzeiro. Ir a um show do Zeca Pagodinho numa nova casa aberta no Borel. Fazer uma cirurgia numa moderna clínica montada na Rocinha. Ver uma peça num teatro construído no Dona Marta. Ou levar um filho pra jogar bola em um novo clube em qualquer dessas comunidades.
    É preciso aproveitar este momento inédito e maravilhoso de pacificação para que a sociedade crie estes nichos de convivência e termine com o apartheid em que vivemos. Somente assim tudo será normal um dia. Afinal, as diferentes classes sociais convivem dentro de um estádio de futebol, dentro de um sambódromo, no meio das ruas, dentro do metrô, de repartições públicas. Isso tem que ocorrer também nos morros, que nem estão nas periferias. Estão somente a metros de distância de nós.
    Bem, tudo isso prova que o Rio de Janeiro continua sendo ... (ainda), como você bem disse, a maior vitrine desse país !

    Humberto Cottas

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  4. Gostei do nome do blog: Quem sabe um pequeno ajuste... "Impressões Digitadas" fortaleceriam mais o trocadilho...

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  5. Boa abordagem, Rafa!
    Mas eu não esperava mesmo que a Imprensa deixasse escapar essa mega oportunidade de explorar essa giga operação e criar o sensacionalismo ufanista de 'tudo dominado' que se vê.
    Só gostaria que os 'por trás' tb fossem explorados com a mesma ênfase e que não se perdesse o 'momentum' sócio-político para ampliar o foco no sentido de amplificar a questão de a quem interessa essa insistência hipócrita no modelo de uma política pseudo antidroga, que só serve para manter a corrupção a todo vapor e o tráfico de armas azeitado. Todo mundo que tem cérebro e minimamente já parou para pensar no assunto sabe que o problema é comportamental e, em sua ponta, questão de mercado (demanda-oferta) e que quando se empurra o tema para a esfera criminal não só não se resolve como se agrava o problema. E se o falacioso argumento for 'saúde pública', a repressão, mata muito mais – e principalmente muito mais inocentes – e sobrecarrega muito mais o nosso sofrível sistema público de saúde do que o percentual de viciados que morreriam por overdose, por exemplo. O assunto é extenso e o papo longo, no espaço, no tempo e nos desdobramentos...

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