quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A SELFIE, O SORRISO E A PATRULHA

Tive um pesadelo. E, como em todo sonho, nesse também havia uma grande dose de elementos sem qualquer sentido muito lógico, mas como afirma o dito popular: “Freud (sempre) explica”.
Pelo que me lembro a situação se passava durante uma festa. Só que o irmão da aniversariante não concordava com as pessoas convidadas, pois eram de um grupo político com uma ideologia diferente da sua. O tal irmão decide, então, convocar seus aliados para acabar com a festança e logo se instaura um clima de guerra, com confrontos físicos inclusive. Lembro-me da agonia das pessoas e dos pedidos para que aquilo parasse antes que alguém se ferisse. Havia crianças no local.
Foi uma sensação muito ruim, vivia a agonia de quem nada podia fazer. Acordei sobressaltado, sentindo um aperto no peito. Tentava analisar o porquê de um sonho, em princípio tão sem pé nem cabeça.
Só pela manhã, depois de ter voltado a dormir, comecei a intuir sobre as razões do sonho ruim.

Tenho me sentido muito decepcionado com a intransigência da sociedade atual. Sempre pronta a apedrejar aqueles que não comungam do mesmo credo. É o que o mestre Alberto Dines chama de clima de FLAxFLU. Tudo parece ter que ser “pão, pão; queijo, queijo”, como se só houvesse o preto e o branco e não tantas tonalidades de cinza (nada a ver com as fantasiais sexuais do livro da autora inglesa Erika Leonard James).
Neste período eleitoral, então, haja pedras. E o que é pior; a virulência das críticas pode ser capaz de corar gerente de puteiro.
Não há limites. Fossem as mídias sociais armas carregadas, estaríamos vendo um banho de sangue.


Amigos ou conhecidos que eu nem desconfiava serem capazes de tantos impropérios, de tanta raiva inoculada, têm partido, sem escrúpulos, para ataques pessoais. Outros saem reproduzindo postagens fantasiosas, sem qualquer possibilidade de um vínculo mínimo com a realidade. Mas, no vale-tudo virtual, isso parece ser o que menos importa.

Vamos tomar como exemplo a morte de Eduardo Campos, candidato à presidência, vítima de um acidente aéreo na cidade de Santos, no litoral paulista. O impacto de uma notícia chocante como aquela logo foi substituído pelo som da artilharia virtual. A hashtag #FOIADILMA disparou no topo dos trend topping do Twitter. Teorias da conspiração pulularam tal qual milho de pipoca em panela quente. E tome de compartilhamentos! Luto, tristeza, reflexão... nem pensar!
Só sei que nesse dia exclui mais de dez pessoas da minha lista no Facebook por não concordar com as brincadeiras de mau gosto e com o conteúdo compartilhado (tenho certeza de que não sentirei falta delas).


Dias depois foi a vez do contra-ataque. O estopim foi uma foto de Marina Silva sorrindo durante o velório de Campos, no Recife. Postagens indignadas perguntavam: "Do que ri, Marina Silva?" A acusação era de que a vice de Eduardo sapateava sobre seu caixão. Houve quem dissesse que Marina inaugurara o “velóriomício”, pois teria aproveitado a situação para garantir a popularidade necessária para tomar o lugar do morto na corrida presidencial.


Julgar alguém a partir de um momento registrado por uma câmera, por um a fração de segundo capturada, é de uma crueldade sem par.
Logo se soube que Marina, naquele momento, tentava confortar a família relembrando passagens da campanha vividas pelos dois.


Mas o estrago já estava feito. E, do jeito que as coisas vão, não me espantaria se tal acusação voltar a surgir durante a campanha.

Mas a esculhambação internética não é um privilégio de figuras públicas.
No dia do velório do político pernambucano, começou a circular na Internet a foto feita por Pedro Kirilos, da Agência O Globo, na qual uma mulher aparecia fazendo uma selfie com o caixão do presidenciável ao fundo.



Embora as selfies (fotos de si mesmo tiradas através de um celular) tenham virado febre, o comportamento da moça não foi perdoado pelos patrulheiros. Além das mais duras críticas, o tema ainda virou piada na Internet.


Há quem diga que ela conseguiu seus 15 minutos de fama, eu, porém, diria que foram seus 15 minutos de execração pública. Tente se colocar no lugar dela por alguns instantes... Será que ela achou essa superexposição agradável? Será que um ato sem noção como o dela merece mesmo tanta polêmica? Será que é caso para pelotão de fuzilamento social?

Quem pode nos ajudar a dar essas respostas talvez seja o professor Zygmunt Bauman. Ele tem sido um dos principais analistas das relações da sociedade mundial com as redes sociais. No livro “Vigilância Líquida”, já avaliava as consequências do excesso informações que disponibilizamos, voluntariamente ou não, todos os dias nas redes. Agora, em “Cegueira moral” ele fala sobre a vida digital e o sério risco que ela nos impõe de perdermos a sensibilidade em relação aos outros. Um tipo de anestesia que parece nos afetar perante o sofrimento alheio.


Tinha visto este livro, recentemente, na Livraria da Travessa e já tinha me interessado. Porém, após meu pesadelo e todos os fatos aqui descritos, urge que o leia.

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