Costumo dizer que sou movido a música.
Estou sempre ouvindo, cantarolando, assoviando. Isso me faz um
apreciador de boa música (pelo menos para o meu gosto) e também um
consumidor ávido.
O conceito de consumo, no entanto, em
tempos digitais, mudou um bocado.
Já tive muitos vinis; muitos mesmo.
Para adequar gosto tão custoso ao meu pífio orçamento, apelava
para os sebos de discos. Uma garimpagem que me fez conhecer muita
coisa boa e outras nem tanto, é claro. Mas pelo preço de um disco
novo era possível comprar uma dúzia de usados. Uma oportunidade sem
par para alguém que, como eu, aprendeu desde cedo a ser “chepeiro”
e bom negociador com minha mãe, Dona Irene.
Com o acúmulo de vinis, um problema
surgiu: a falta de espaço.
Quando fui morar em um conjugado, já
casado, o problema se agravou e comecei a buscar alternativas.
Investi numa sedutora tecnologia da Sony, o MiniDisc, um tipo de CD
regravável que vinha dentro de um envólucro plástico, mais ou
menos como as XDs de vídeo de hoje em dia. Prometiam uma qualidade
de som e uma durabilidade muito maiores do que as velhas fitas
cassete. Investi na coisa, que não era barata, porém, ocupava muito
menos espaço. Passei meus vinis para os disquinhos, com todo os seus
estalos e chiados do meio analógico.
Só que novas tecnologias
surgiram e os MDs se tornaram carta fora do baralho. Os gravadores de
CD começaram a ficar baratos. A portabilidade do CD também
facilitava. Disc-mans e CD players em carros nos ajudavam a ter
nossas músicas onde quer que estivéssemos.
Passei, então, a acumular os
reluzentes CDs. Mas, apesar de menores, logo me trouxeram o mesmo
problema das velhas “bolachas”: CDs demais para espaço de menos,
mesmo num apartamento maior.
O MP3 veio para me salvar. Passei cerca
de 80% de meus CDs para um pen-drive (com o indispensável back-up no
PC) e os vendi a preço de banana em sebos. Com isso, tenho algumas
milhares de músicas armazenadas num pequeno dispositivo. Uma
discoteca que ocuparia estantes e mais estantes, além de ácaros em
profusão.
Os CDs de que mais gosto, por questões
musicais ou sentimentais continuam comigo, embora compre cada vez
menos. Lembro que logo que abriu a FNAC, um dos meus programas
favoritos era ficar horas por lá descobrindo coisas novas.
Hoje, sou adepto do compartilhamento
através da grande rede. Abro minha discoteca e busco o que quero na
dos outros. Alguns chamam isso de pirataria, eu chamo de cultura
colaborativa.
No entanto toda esta praticidade roubou
um pouco de um velho hábito, o qual retomei com recentes aquisições
musicais. O costume de ouvir um mesmo disco, e só ele, várias e
várias vezes, destinando maior tempo para cada faixa, reparando em
arranjos, na poesia das letras.
Nos tempos do vinil, quando a oferta
era menor e a grana curta, fazia muito isso. Sabia de cor a ordem das
músicas, além de todas as letras. Não sei como alguns deles
permaneceram inteiros depois de tantos giros na vitrola.
Três CDs recentes me fizeram relembrar
esse prazeroso hábito: Saudações Egberto, de Délia Fischer (só
com músicas de Egberto Gismonti); Corpo de Baile, de Mônica
Salmaso (com composições de Guinga e Paulo César Pinheiro) e
Carbono, do sempre muito bom Lenine.
Aconselho a experiência tripla.
Garantia de momentos de grande deleite
auditivo.
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