sábado, 13 de agosto de 2011

Crítico ou Neurologista?


Nesta sexta (12/8) fui assistir ao filme "A Árvore da Vida", de Terrence Malick, que não me agradou. O filme praticamente não tem diálogos e apresenta no seu início uma longuíssima sequência de imagens no melhor estilo Discovery Channel com os mais variados temas: vulcões, profundezas do mar, espaço sideral, dinossauros e até um monstro do Lago Ness sangrando.
Se a ideia do diretor era provocar perplexidade, com certeza ele conseguiu. Várias pessoas deixaram a sala de exibição antes do fim. Só permanecemos pois queríamos ver onde aquilo tudo iria dar. Saí, no entanto, do cinema sem esta resposta também.
Voltei para casa curioso para ler a crítica do jornal O Globo, que havia colocado o bonequinho aplaudindo de pé, afinal era um filme ganhador da Palma de Ouro de Cannes.


No texto, o crítico Marcelo Janot tentou, com sua verve cinéfila, traduzir o enigma de Malick. Se acertou, ou não, não sei, mas uma frase dele, ao elogiar o diretor, ofendeu a mim. Resumindo, ele disse que Malick era um dos poucos americanos que conseguiam fazer filmes que não fossem para platéias lobotomizadas pela indústria do entretenimento.
Como considero que meu cérebro permanece intocado, resolvi mandar uma carta para ele através do site do Globo. Carta esta que reproduzo aqui.

Caro Senhor Marcelo Janot



Me chamo Rafael Casé e, como o senhor, também sou jornalista. São 23 anos de profissão e 48 de vida, a maior parte deles apreciando o mundo da chamada “Sétima Arte”.


Escrevo após ver o filme “A Árvore da Vida” e ler sua crítica (exatamente nesta ordem). E se me dou a este trabalho é porque um trecho de seu vistoso texto me incomodou bastante. Logo no início, ao falar sobre o diretor Terrence Malick, o senhor dispara: “Um dos raros sobreviventes do cinema de autor em Hollywood, ele faz filmes que em nada se assemelham à concepção do que seja cinema para as plateias lobotomizadas pela ditadura do entretenimento”. Nada contra sua admiração pelo diretor americano. Todos temos o direito a nos identificarmos com este ou aquele artista. Aliás, essa é a grande arte da Arte; se abrir para a admiração ou não do público. O problema é a forma como se referiu a um suposto público que estaria irremediavelmente condenado a não poder apreciar qualquer outro tipo de arte que não fosse a que o senhor define como ”ditadura do entretenimento”. A frase é pomposa, ferina, mas também petulante e ofensiva.


Infelizmente, muitos que se julgam integrantes de uma elite, de uma casta social privilegiada ainda buscam se diferenciar através do consumo de uma “arte pura”, uma arte que estaria fora do alcance daqueles que consideram como a choldra. E condenam qualquer um que se atreva a chamar um entretenimento para as massas de Arte. Trata-se de uma prática comum e bem antiga. Por acaso, a nobreza européia não condenou Mozart quando este começou a compor óperas em alemão para oferecer algo mais a seu povo?


Para usar o moderno, porém, já, velho chavão, vivemos em uma sociedade globalizada e graças a isso a oferta de informações foi elevada à enésima potência. Há muito material de qualidade discutível? Com toda certeza. Mas trata-se de um caminho sem volta, meu caro, e o senhor sabe muito bem disso. Os meios de comunicação de massa (aliás, o senhor trabalha para um deles e por isso mesmo tem tanta visibilidade) continuarão a produzir mais e mais; e as pessoas terão cada vez mais e mais acesso aos produtos da Indústria Cultural mundial. Graças a isso é que, hoje, é possível assistir a um filme de Terrence Malick em um cinema amplo, confortável e com qualidade de imagem e som capazes de fazerem jus ao conteúdo da película acima citada. Há alguns anos isso só seria possível em algum cineclube precário, dedicado ao que o senhor chama de “cinema de autor”.


Gosto muito de cinema. Nem de longe tenho todo o conhecimento sobre a área que o senhor parece ter, mas nem por isso devo ser subestimado. Não vejo como demérito o fato de me divertir com filmes dedicados ao entretenimento. Um blockbuster tem seu valor. Não sei se o senhor tem filhos, mas se não os tem, deveria experimentar a sensação de assistir à uma boa comédia e gargalhar com (e como) a criança que está ao seu lado. Experimente esta sensação que leigos como eu podem se oferecer. Ela pode ser mais agradável do que o senhor supõe. Se divertir (ou se entreter) com super-heróis, não quer dizer que parte do meu cérebro tenha sido extraída ou definhado. Posso, e quero, ter o direito de asistir a tudo e gostar ou não. Posso gostar da pinturas de Miró e de traços de pintores naif. Posso ler Heidegger (não o original em alemão, já que não domino a língua) e Dan Brown. Posso assitir a uma ópera e frequentar a roda de samba do Valqueire. E isso, ilustre colega, é muito bom.


O papel do crítco, no meu entender, é dar subsídios a seus leitores para que estes possam aproveitar melhor o espetáculo ou o produto artístico ao qual ele se refere. E no seu texto há esse conteúdo. Através dele pude ter o conhecimento da influência autobiográfica do diretor no filme. Admiro seu empenho em tentar traduzir de uma forma lógica uma sequência tão ilógica de cenas. Talvez o senhor esteja certo, talvez esteja totalmente enganado quanto aos objetivos do diretor, mas isso é uma opinião sua, a qual respeito. O que não é possível, no entanto é aceitar que o leitor, como eu, seja ofendido. Como jornalistas, que somos, temos a obrigação de saber o peso das palavras que utilizamos. Ao me chamar, e a muitos outros, de seres lobotomizados, o senhor demosntrou preconceito e uma petulância que sua função de crítico não o credencia a ter.


Atenciosamente,


Rafael Casé

   

4 comentários:

  1. Eu volto para comentar dia 1 de setembro.

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  2. Uma ótima analise de uma mente "previlegiada" do sabe tudo, nós nada sabemos...

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  3. Rafael, brilhante sua crítica a um crítico que se acha acima de todos. Enquadra-lo em seu real papel e mostrar que a diversidade é tudo de bom, temos que saber apreciar do classico ao popular, do cult ao pastelão, foi um excelente posicionamento.
    Prazer em poder ler Impressões digitais

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  4. Ótimo texto, concordo em gênero, número e grau. Cinema pra mim é uma grande e nobre arte que, assim como todas as outras, também sabe entreter, além de fazer pensar, refletir, emitir poesia, entre outros atributos.

    Infelizmente, os criticos (do referido jornal) se acham donos da verdade absoluta. Terrence Mallick deve ser respeitado por sua obra única no cinema, mas nem por isso um Michael Bay da vida deve ser menosprezado. Por exemplo, assisti no sábado "Melancolia", do Von Trier, mas antes tinha acabado de assistir "Quero Matar Meu Chefe", exemplo atual da ditadura do entretenimento. Me diverti em ambos.

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