“...o torcedor do Botafogo é o único que, em vez de esperar a vitória, espera precisamente a derrota.
Os outros comparecem na esperança de saborear como um Chicabom o triunfo do seu clube. Mas o torcedor do Botafogo é diferente: ele compra o seu ingresso como quem adquire o direito, que lhe parece sagrado e inalienável, de sofrer. Eis a verdade: - ele não vai a campo ver futebol. O futebol é um detalhe secundário e, mesmo, desprezível... No dia em que retirarem do torcedor alvinegro o inefável direito de sofrer e, sobretudo, o direito ainda mais inefável de descompor seu técnico, ele ficará inconsolável, como um ser que perde, subitamente, a sua função e o seu destino. Tudo na vida é uma questão de hábito. E o cidadão que padece todos os dias, acaba se afeiçoando ao próprio martírio ou mais do que isso: - o martírio torna-se insubstituível como um vício funesto.”
O trecho acima, do jornalista e dramaturgo Nélson Rodrigues foi escrito há 55 anos e publicado na revista manchete Esportiva. Mas, se vivo estivesse e houvesse, ontem, redigido tais palavras, o texto não seria mais atual.
Conheço esta crônica há muito tempo, mas nunca a achei tão verdadeira.
Sou um assíduo frequentador do Engenhão. Sócio-torcedor, tenho nos 50 reais que pago por mês, a desculpa necessária para assistir a mais jogos do que deveria. Sempre na esperança de alguma melhora da equipe. No afã de vislumbrar um esquema tático eficiente, uma atuação convincente.
Mas, jogo após jogo, desço a rampa do setor oeste me questionando a razão de ter ido até lá. Como eu, tantos outros se arrastam, ladeira abaixo, se lamentando, blasfemando, vociferando...
Somos sempre os mesmos.
Costumo dizer que somos os seis mil de sempre. Aqueles torcedores mais fiéis, que ali estarão seja boa ou má a fase da equipe. No entanto, esta fidelidade quase canina (afinal somos a “cachorrada”) não é um sinônimo de um amor cordial. Como bem disse o tricolor jornalista, a relação entre torcida e time é, na maioria das vezes, passional, violenta, virulenta. Um amor bandido. Uma paixão sofrida.
E não há, aqui, como não lembrar os versos da canção de Tunai e Sérgio Natureza:
“As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam. Porque o amor e o ódio se irmanam na corrente das paixões”
É claro que as atuações do time atual não colaboram em nada para uma relação mais harmônica. Mais do que título, e é claro que eles são necessários, os torcedores gostam de ver o time atuar bem. Gostam de detectar o empenho daqueles que vestem suas cores, que defendem seu pavilhão. E isso não vem acontecendo.
Nessa hora surgem os bodes expiatórios. Jogadores e treinadores entram na berlinda e qualquer deslize é o suficiente para a condenação sumária. Só que o que vem acontecendo com a torcida do Botafogo transcende esta lógica explicação.
As vaias parecem começar antes mesmo da partida. Qualquer dia desses até o minuto de silêncio será vaiado. E não se trata de um mero apupo. As reações são as mais intempestivas. Os xingamentos são bradados em alto e bom som, com a intenção, ao que parece, de que o alvo dos impropérios realmente os escute.
Não sou nenhum lorde inglês assistindo aos jogos. Tenho minhas explosões de ira. Mas o que tenho visto (e ouvido) ao meu lado me deixa atordoado, a ponto de escrever essas linhas.
Na partida contra o Avaí, na quarta-feira, dia 13 de abril, decidi deixar o local em que estava sentado, em busca de outro assento onde meus ouvidos fossem poupados de tantos e tão violentos protestos.
Soube, depois que o novo treinador reclamara das vaias quase que instantâneas. E dou-lhe razão.
Louco Abreu foi outro a se manifestar.
A mídia adora. A torcida acende o fogo e os jornais, rádios, tevês e sites tratam de alimentá-lo, para que a fogueira da discórdia renda boas manchetes
Pergunto eu, então, caríssimos alvinegros: de que adianta tal comportamento. De que forma isso pode ajudar a reverter o quadro negativo.
Também vaio quando minha paciência se esgota. Mas parece que a paciência dos tais seis mil, ou pelo menos de boa parte deles, se esgota antes mesmo de vestir a gloriosa camisa alvinegra e sair de casa em direção ao suburbano bairro do Engenho de Dentro.
Vejam um exemplo: na partida acima citada, após estarmos perdendo por 2x0, com uma atuação pífia de nossa zaga, conseguimos um empate, buscado na bacia das almas. Mesmo assim, alguns torcedores insistiram em vaiar a equipe, quando esta se dirigia ao vestiário.
Parece ou não parece uma aplicação prática do sarcástico texto de Nélson Rodrigues?
Criado em berço alvinegro, cresci embalado pelas histórias gloriosas de craques que ostentavam uma estrela solitária no peito. Vivi, é verdade, momentos muito difíceis, porém esta paixão que se aproxima de cinco décadas nunca abandonou meu peito.
Sou Botafogo por herança. Sou Botafogo por amor. Um amor que já tomou conta também de minha filha.
Sou Botafogo, independente de conquistas. E, por isso mesmo, quero ao menos um time que me dê orgulho dentro das quatro linhas.
Acho que a torcida tem esse direito e também o dever de cobrar isso.
Somos um patrimônio desse clube, mas o Botafogo também é um patrimônio nosso.
Que nos unamos, portanto, em busca desse objetivo. Não os seis mil de sempre, não os cem mil que o Maracanã viu encher suas arquibancadas pela última vez, em 99. Mas os milhões de botafoguenses espalhados pelo Brasil.
Se para isso for preciso paciência, que a tenhamos.
Se para isso for preciso apoio, que ocupemos o Engenhão e mostremos o quanto é bonita a nossa torcida em festa.
Vaias não mais.
Se vaias resolvessem, nosso time, com certeza, estaria numa situação melhor.