quarta-feira, 30 de maio de 2012

Melhorar... Acústico o que custar...

Quem me conhece mais de perto sabe que sou movido a música.

Se estou no carro, o rádio está ligado. Se fora dele, cantarolo ou assovio.
Em termos musicais sou bastante eclético. Na memória do rádio do carro estão emissoras que vão da MEC FM à Mix. Gosto de rock, gosto de samba, de MPB, de pop, de música flamenca, de forró, de frevo; ou seja, de tudo um pouco.
O que não gosto é de música de má qualidade.
Tudo bem que se tocar Michel Teló numa festa, não vou sair correndo tapando os ouvidos, nem tampouco dou uma bolacha no DJ. Pode até ser divertido, por dois ou três minutos (não mais!), dependendo do contexto. O que não dá pra dizer é que a música tem qualidade.
Tem animação, tem balanço, tem irreverência, mas qualidade, não.


É engraçado ouvir “Ex-mai love” (sic) da Beyoncé do Pará, mas todos os dias na hora em que chego do trabalho, não.
Não quero cair aqui na polêmica sobre a ascensão da classe C e de que a mídia está atrás dessa fatia de mercado. Isso é claro. É evidente
Independente dessa exploração midiática, a banda Calypso sempre terá seu público.
Já tinha muito antes do boom da mídia, quando ainda parava seu ônibus enfeitado em frente ao Hotel Granada, na Gomes Freire, na Lapa.
Calcinha Preta, Luan Santana, Sorriso Maroto, Gaby Amarantos, Belo, Latino e tantos outros continuarão lotando shows pelo Brasil a fora, mas não queiram tentar me convencer de que eles fazem boa música, a não ser que o adjetivo esteja realcionado ao faturamento comercial.
Não dá pra forçar a barra. São letras pobres e o popular não deveria ter que rimar com pobreza em nenhum sentido, muito mesnos em termos culturais. Vejam o exemplo de um dos maiores hits do momento "Eu quero tchu, eu quero tcha":

" Cheguei na balada, doidinho pra biritar, A galera tá no clima, todo mundo quer dançar,
O Neymar me chamou, e disse "faz um tchu tcha tcha", Perguntei o que é isso, ele disse " vou te ensinar".
É uma dança sensual, em goiânia já pegou, Em minas explodiu, em Santos já bombou,
No nordeste as mina faz, no verão vai pegar, Então faz o tchu tcha tcha, o Brasil inteiro vai cantar.
Com João Lucas e Marcelo."


Esta fase que a música brasileira está vivendo e que é vendida como sendo de democratização do espaço midiático ou do resgate dos diversos ritmos brasileiros me lembra muito uma outra fase, de meados dos anos 70. Fase essa muito bem retratada por Rita Lee em duas músicas: "Arrombou a Festa" e "Arrombou a Festa II". O refrão dizia assim:

"Ai, ai meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira
Quando a gente fala mal, a turma toda cai de pau
Dizendo que esse papo é besteira."


Rita fazia uma crônica rascante sobre os hits comercias que invadiam as rádios. Material de qualidade duvidosa que devido à massificação, se transformava em "sucesso". Lembre alguns trechos:

"Na onda discothéque da América do Sul
Lenilda é Miss Lene, Zuleide é Lady Zu."

"O Sidney Magal rebola mais  que o Matogrosso
Cigano de araque, fabricado até o pescoço."

"O Odair José é o terror das empregadas
Distribuindo beijos, arranjando namoradas
Até o Chico Anísio já bateu pra tu batê
Pois faturar em música é mais fácil que em tevê."

Nota do tradutor 1: Como este blog é lido por pessoas que nem tinham nascido nessa época, cabe explicar que o humorista Chico Anísio chegou a lançar um LP junto com Arnaud Rodrigues, chamado "Baiano e os Novos Caetanos".

"Bilú, bilú, fafá, faró, faró, tetéia
Severina e o filho da véia"

Nota do tradutor 2: A estrofe acima cita dois enormes "sucessos": "Bilu Tetéia" e "Farofafá", de Mauro Celso que, creio eu, só emplacou essas duas músicas em toda a carreira. Um dos "complexos" refrões dessa última dizia assim:
"Fa

Faró Faró Faró
Faró Faró Faró
Faró Faró Faró Fa Fa"

Engraçado, né? Mas qualquer semelhança com "Balada" de Gusttavo (com 2 tês, mesmo) Lima, não é mera coincidência:

 "Tchê tcherere tchê tchê,

Tcherere tchê tchê,
Tcherere tchê tchê,
Tchereretchê
Tchê, tchê, tchê,
Gustavo Lima e você"
Já estava com a ideia de fazer esse post há algum tempo, mas na última segunda-feira (28/5), ao assistir ao show Gil Sinfônico, no Teatro Municipal, não tive mais dúvidas.


Não vou nem falar dos arranjos sublimes feitos para a orquestra Petrobras Pró-Música, conduzida por Heitor dos Prazeres e por Jacques Morelembaum.
Vou me ater à poesia de Gilberto Gil, 70 anos de idade, 50 anos de carreira. Cinco décadas nos presenteando com letras primorosas.
Sou fã de Gil. O considero junto com Chico Buarque o maior poeta da MPB e acho, mesmo, que ali na linha de chegada, no photochart, o baiano vence por uma vantagem mínima.
Agora se levarmos em conta a trajetória artística como um todo, Gil ganha com muitos corpos de vantagem sobre todos os demais competidores; e argumentos não faltam para defender esta minha afirmação. Gilberto Gil surge na Tropicália e a partir de então não para mais de inovar. Como um mutante vai precorrendo as décadas seguintes, não se transmutando para se adaptar aos modismos, mas sim na linha de frente, iluminando novas veredas. Do reggae ao pop. Do amor à física quântica. Do tambor à internet. Gil não para de surpreender.



Fez filmes, documentários, foi vereador em Salvador, foi Ministro da Cultura (um bom ministro, segundo me contam). E falando disso tudo me vem à mente uma de suas músicas, "O eterno Deus Mu-dança":

"Sente-se - e não é somente aqui, mas em qualquer lugar:
Terras, povos diferentes - outros sonhos pra sonhar
Mesmo e até principalmente onde menos queixas há
Mesmo lá, no inconsciente, alguma coisa está
Clamando por mu-dança. O tempo da mu-dança.
O sinal da mu-dança. O ponto da mu-dança.

Sente-se, o que chamou-se Ocidente tende a arrebentar
Todas as correntes do presente para enveredar
Já pelas veredas do futuro ciclo do ar
Sente-se! Levante-se! Prepare-se para celebrar
O deus Mu dança! O eterno deus Mu dança!
Talvez em paz Mu-dança!"
Infelizmente, com o quadro atual do mercado fonográfico o bom vem perdendo espaço para o vendável, mas Gil resiste, insiste, persiste.




Gostaria de ouvir coisas novas, boas coisas novas. Comemoro quando isso acontece.
Em não quero tchu, nem quero tcha.
Meus ouvidos merecem coisa melhor. 

5 comentários:

  1. Muito bom o post! Boa leitura para começar esta quarta. Valeu!

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  2. Valeu, Vinicius. Seja sempre muito bem-vindo. Abração.

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  3. Professor Casé,
    nos conhecemos hoje na UVA e o livro que vc. me deu acerca do seu avô Casé(muito obrigada), será uma das pontes para eu já elaborar o Blog dos 90 anos do Rádio no Brasil.

    Olha, caso a minha letra esteja um hierogrifo, o endereço do Blog do Rádio Carioca- A Memória do Rádio Esportivo, é:
    http://blogdoradiocarioca.blogspot.com

    Bjos,
    Isabela Guedes
    Ps: caso vc tiver os "causos do rádio esportivo", me envie por sedex que eu te pago, para eu ilustrar o blog.
    mariaisabelaguedes@gmail.com

    Twitter: @blogdoradiocarj
    Seja bem vindo a ele e divulgue-o, se puder.

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  4. Boa, Casé! Gil é brilhante! E o mainstream da música brasileira precisa de mais gente autêntica de verdade.

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  5. Ótimas lembranças Rafael!! Você tirou músicas do fundo do báu e me fez voltar há alguns anos. Essa reflexão nos faz pensar aonde vai parar a nossa MPB, que novas tendências são essas? Pelo menos o "farofa fá fá" se propunha a ser brega e era sazonal. E os de agora? parece que entranha nas nossas mentes e quando nos damos conta estamos repetindo os refrões rsrs

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