segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

 No frigir dos ovos, definiu-se o segundo turno das eleições municipais de 2016 no Rio de Janeiro. Dois candidatos com vieses bastante diversos.
Uma surpresa para mim, na verdade. Achei que dentro do quadro político atual, dificilmente um candidato de esquerda passaria de fase.
               
Crivella sempre me pareceu o favorito (e acho que ainda é, como explanarei mais abaixo) e a segunda vaga deveria ser, em teoria, de Pedro Paulo, sucessor do atual prefeito.
No entanto uma combinação de fatores enfraqueceu o "braço direito" de Paes. A agressão à esposa, mesmo com tantos panos quentes colocados após, até mesmo pela própria acusadora, carimbou-lhe a testa. Foi um fardo pesado, que somado à resistência ao PMDB na cidade depois do Impeachment e à falência do estado, se tornou uma âncora eleitoral. Nem mesmo o sucesso dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos foi capaz de aboná-lo.
                                                    
A divisão da esquerda era um fator importante em relação à presença de um dos três candidatos (Freixo, Jandira e Molon) no segundo turno, mas o que se viu, na reta final, foi que os próprios eleitores desses candidatos, pelo menos boa parte deles (e não me incluo nessa conta), adotaram o voto útil e fortaleceram a candidatura do representante do PSOL.
Diante das duas opções que se apresentam, não há dúvidas de que meu voto irá migrar para Marcelo Freixo. Embora sem o entusiasmo que vejo em diversos queridos amigos.
Nunca nutri admiração por Freixo e tive ainda mais motivos para incompatibilidades durante as manifestações de 2013, quando diante de agressões a jornalistas por parte de black blocs, o deputado não condenou as mesmas, chegando a achar o fato compreensível, já que os profissionais eram a representação de uma mídia "vendida". Durante um debate no Colégio São Vicente de Paulo, às vésperas da votação de 2014, questionado por minha filha se tais agressões não seriam um atentado à liberdade de imprensa e de expressão, preferiu tergiversar e adotar o velho lema do Leão da Montanha: "Saída estratégica pela esquerda..."
Quando a agressão partia de policiais, no entanto a postura era diferente, com direito a mensagem de repúdio em conjunto com a antiga diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro (que Deus a tenha, nem um palmo acima ou abaixo de onde merece).
Essa postura acabou fazendo com que fosse toscamente acusado, diga-se de passagem, de envolvimento, ainda que indireto, na morte do repórter cinematográfico da Band, Santiago Andrade. Denúncia que se mostrou débil e infundada.
Não sei se Marcelo Freixo será capaz de fazer uma boa administração em uma cidade tão complexa como a nossa. A resistência, creio, seria enorme, desde o "andar de cima" até as milícias e o tráfico, que dominam informalmente fatias de nosso território. Mas, tendo do lado oposto o bispo Marcelo Crivella, representante da Igreja Universal do Reino de Deus, não há como titubear.
Embora venha bradando aos quatro ventos que respeitará o estado laico, sabemos como agem os políticos que formam as chamadas bancadas da Bíblia. E sabemos de que forma chegaram a tais cargos.
O uso da fé como ferramenta política me dá náuseas.
Aliás, o uso da fé como uma maneira de conseguir poder de forma geral, como a formação de grupos de Comunicação através de fundos vindos da contribuição de fiéis ou de outras fontes de renda mais misteriosas.
As pautas desses grupos são retrógradas e excludentes. Visam apenas reforçar um discurso moralista proclamadas por pastores que muitas vezes adotam práticas não tão morais assim. Chegar ao executivo é apenas mais um passo de uma estratégia de poder crescente e jamais poderia compactuar com isso.
Acredito, no entanto, que fora uma grande reviravolta, Marcelo Crivella vencerá com folgas.
É só analisarmos com frieza os dados das urnas do último domingo. Só os votos do eleitorado de Bolsonaro baby 1 já serviriam para colocar um pé e meio de Crivella no "Piranhão" (curioso lugar para um bispo trabalhar), fora os votos conservadores de Pedro Paulo, Índio e Osório.
Talvez a única maneira de Crivella não vencer seja a reversão de um número muito expressivo, o de votos nulos, brancos e, principalmente, das abstenções. Somados, eles foram quase iguais à votação de Crivella e Freixo juntos. O número de votos válidos caiu quase 5% em relação às eleições municipais de 2012. Votos brancos e nulos foram cerca de 170 mil a mais. As abstenções também deram um salto: de 925 mil em 2012 para 1 milhão 190 mil este ano. Foi o maior nível de abstenção desde 1996. Só se uma parte significativa dessas pessoas, por conta da rejeição ao bispo, resolver ir às urnas, a situação poderá mudar.

Vamos ver no que é que isso vai dar, afinal é como diz aquela famosa frase: "De urna e de fralda de bebê a gente nunca sabe o que vai sair".

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