domingo, 5 de setembro de 2010

Parece, mas não é

Noutro dia recebi um e-mail da Stefanie, uma grande amiga que mora na Alemanha. Ela ébrasileira, mas desde criança vive por lá. Mesmo assim é uma apaixonada pelo Brasil e especialmente pelo Rio de Janeiro.
Na mensagem que me enviou ela anexou um powerpoint que havia recebido, no qual o autor denunciava a degradação da praia de Ipanema. Segundo ele, por conta do emissário submarino, que despeja esgoto em alto mar, a praia vive imprópria.


São mostradas fotos de absorventes higiênicos, outros objetos e até supostos pedaços de fezes.

Indignada, minha amiga pediu que de alguma forma denunciasse a falácia do tal e-mail.
Não sou ambientalista, mas depois de tantos anos de jornalismo local, tinha algumas informações que me levavam a crer que o discurso do sujeito estava errado. Pelo que me constava, o esgoto jogado pelo emissário, em alta pressão, praticamente se dissolvia. E os dejetos que apareciam nas imagens, ao meu ver, chegavam na praia através das galerias pluviais. Ou seja, lixo que as pessoas jogam nas ruas.

Outra argumentação da mensagem era de que a grande quantidade de esgoto estaria matando a fauna e a flora marinhas da região.


Para tentar tirar a prova dos nove, pedi ajuda à minha consultora para assuntos ambientais, Lúcia Duarte.
Vejam o que ela diz:

"A principal causa de poluição das praias, atualmente, é o extravasamento das galerias de águas pluviais, especialmente na época das grandes chuvas de verão, que deságuam nas praias e formam as chamadas línguas negras; e tb o carreamento de dejetos lançados nos rios e córregos que chegam até o litoral. No caso da poluição das galerias de águas pluviais, além da "lavagem" das ruas, o problema é agravado pelo despejo de esgoto clandestino na rede. Quer dizer, no fundo - e no raso tb - o problema principal é falta de educação/conscientização ambiental, mesmo.
Com relação aos emissários submarinos longos, como os que temos aqui em Ipanema e na Barra, são considerados no mundo todo uma alternativa de muito baixo risco, quando corretamente projetados (em termos de diâmetro, extensão e profundidade) e mantidos, pois dispõem os efluentes longe da costa, em mar aberto, de modo a serem levados pela corrente marítima, e prevêem uma grande diluição dos dejetos.
No caso do emissário da Barra, construído já na vigência da atual Constituição do Estado do RJ, que determina tratamento primário para lançamento dos esgotos nos corpos d'água, sei que o material é precedido de um tratamento com micro-peneiras, antes de ser lançado no mar, a fim de remover "sólidos flutuantes" para evitar "impactos estéticos" na zona de balneabilidade. E no de Icaraí e de Paquetá o tratamento deve até ser secundário, pois são lançados em águas interiores.
De qualquer modo, as imagens dos cocôs mostradas na apresentação parecem inverossímeis, pois a não ser que o sujeito tenha comido pedra, não te parece que dificilmente a "peça" se manteria inteira viajando quilômetros duto afora, mar adentro, e encarando a arrebentação pra desembocar, incólume, na praia?
Francamente...
Também não é verdade que não haja vida na área de dispersão do esgoto lançado. Ao contrário, o problema é justamente o oposto: a grande proliferação de organismos que se alimentam da matéria orgânica contida na "pluma" (microorganismos e nutrientes) o que pode causar desequilíbrio ecológico. Ouvi falar que tainhas adoram e parece que o emissário de Ipanema contribui para pesca na área das cagarras - gente! pensando bem, que nome mais óbvio para desembocadura de um emissário, né não? ;-) - ser bastante próspera.
Agora, um grande problema na área do emissário de Ipanema é justamente o material inorgânico que se acumula na desembocadora do duto. Uma vez vi uma foto estranha, feita por uma câmera de monitoramento, quando da última reforma, que eram bilhares de gimbas de cigarro, jogadas nos vasos sanitários e que levam montão de anos pra se decompor.
Então, creio que sua amiga está correta em sua indignação."

Dito isto, a única coisa que tenho a dizer é que nem tudo que cai na rede é peixe, ou seja nem tudo que recebemos em nossas caixas de e-mail, por mais consistente que pareça, merece uma apuração, ao invés da simples aceitação e reprodução.

Satisfeita, Stefanie????????

2 comentários:

  1. Nada como ler um bom texto. Informação, humor e um olhar sobre o cotidiano que passa despercebido.

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  2. Bons dias:

    Impressionante mesmo!
    Isso de tratar/ver para onde vai o esgoto (detritos/lixo no geral) são coisas bem importantes...
    Ao ver as imagens_até chocantes.
    Recordo que quando vivia no RJ (resido há anos no sul), havia tal preocupação com ÁGUAS POLUIDAS: na época que ia à praia (criança_década de 80) - já havia tais poluições; lembro de uma vez o mar dar ressaca e quase invadir as avenidas da beira da praia... Onde o tal cano (denominado MERDODUTO) ficou à mostra!
    Tempos atrás, lembro que o tal CANAL DA VISCONDE DE ALBUQUERQUE estava causando problemas: pelo que sei_sempre causou. Uma vez, ao estudar numa escola junto a este: algo foi jogado em tal canal donde sentíamos o cheiro...
    Outro que dá problemas é o do JARDIM DE ALAH_incluindo a LAGOA (aí seria outra história!).
    Aqui no sul há projetos para despuluições também; como não há praia - as pessoas sentem no verão/calor. Há um acidente geográfico famoso, o RIO GUAÍBA: poluido na maioria... E existe um projeto para este ficar acessível_e usam tal nas altas temperaturas.
    Está mais do que na hora de medidas serem tomadas!

    Valeu,
    Rodrigo

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