terça-feira, 22 de março de 2016

MEDO

Medo é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito. Vivemos numa era onde o medo é sentimento conhecido de toda criatura viva.” (Zygmunt Bauman-2008)

Acordar e dar de cara com a notícia: “Atentado terrorista em Bruxelas – 23 mortos” é uma forma muito triste de começar o dia. Não bastasse, em seguida vem a lembrança assustadora de que daqui a dois meses minha filha estará passando pelos locais das duas explosões.
Medo.



Essa é a maior arma do terror: o medo. Medo de, calmamente, tomar um café e o bar explodir. Medo de estar em um ônibus, metrô ou trem e tudo ir pelos ares. Medo de ir trabalhar e um avião atingir o prédio em que fica o seu escritório.

Grupos extremistas podem não ter grandes exércitos ou armamentos sofisticados, mas têm esta arma: o medo. E enquanto houver homens e mulheres dispostos a entregar suas vidas à causa que lhes exige tal sacrifício, haverá pessoas explodindo e levando com elas outras vidas. Vidas de quem estava no lugar errado, na hora errada...

O ataque ás Torres Gêmeas no já distante ano de 2001 é algo que jamais esquecerei. E olha que eu estava a muitos milhares de quilômetros da ilha de Manhattan, mais precisamente no bairro de São Cristóvão, na redação do SBT, onde trabalhava. Meus olhos estavam pouco mais de um palmo distantes da tela do pequeno televisor preso na parede quando o segundo avião atingiu um dos edifícios. Uma imagem tão profundamente absurda que meu cérebro demorou para processá-la como real. Como se a visão o estivesse tentando enganar. A sucessão de fatos daquela manhã do dia 11 de setembro me deixou sem saber o que pensar. Quantos outros atentados aconteceriam? Qual seria a reação dos EUA? Qual a extensão global que aquilo poderia ter?.
Medo.



Estive nos EUA menos de seis meses depois e o clima era diferente. Havia tensão no ar. Voltei outras vezes e a contestação é de que a vida, por lá, nunca mais voltou ao normal, nem voltará. Um forte esquema de segurança, revistas rigorosas, raio-x de corpo inteiro, rastreamento de vestígios de pólvora ou substâncias químicas. Exagero?
Para quem sofreu um ataque daquela magnitude dentro de seu próprio território, todo cuidado sempre será pouco.
Depois do ataque ao World Trade Center, a tática terrorista se intensificou. Indonésia, Rússia, Espanha, Reino Unido, Líbano, Jordânia, Egito, Índia, Iraque, Paquistão, Dinamarca, Noruega, Quênia, Iémen, Turquia, França, Bélgica... Grupos diferentes, causas diferentes, táticas diferentes, mas objetivos comuns: alcançar visibilidade para suas causas, revidar ações militares, causar sofrimento, provocar mortes.
Medo.



Diante de tanta barbárie, a população, tanto deses países afetados quanto do resto do planeta busca explicações. Tenta entender o porquê de atitudes extremas como essas. E é aí que entra a grande mídia e seu discurso quase hegemônico, objetivo e simplificador.

O problema é que o mundo está cada vez mais complexo para que nos contentemos com explicações simplificadas. São muitos os contextos, muitas as variáveis, muitos os filigranas. E envolvem não a apenas a história recente, mas, sim, séculos de antecedentes de fundamental relevância. Se o fato não é contextualizado de acordo com suas diversas faces, inevitavelmente a compreensão do mesmo será afetada.

Mas será que as pessoas estão interessadas em buscar o outro lado, para pelo menos compreender o que gera o terror? Ou preferem aceitar o discurso do bem contra o mal, nós contra eles, patriotas contra terroristas?



Aceitar este discurso é o mesmo que dar carta branca para governos agirem como bem entenderem e de acordo com interesses que vão bem além da defesa da soberania nacional. É só ver como George Bush capitalizou os atentados de 11 de setembro. O quadro político internacional não é um tabuleiro de WAR. Guerras não têm apenas objetivos militares. É correr o risco de, sem perceber, adotar a xenofobia como discurso. É estar sujeito ao preconceito contra seres humanos pelo simples fato de terem feições suspeitas ou sobrenomes que remetam a regiões de onde partem as ordens para os atentados.



Como diz Bauman, lá em cima, o medo cresce na mesma proporção de nossa ignorância e enquanto essa situação se mantiver, viveremos em meio a esta trágica novela na qual mortos não terão importância por serem quem são, mas sim pela quantidade de sofrimento que podem gerar.

Minha total solidariedade ao povo belga, mas enquanto enxugarmos gelo, mais lágrimas virão.

Medo.

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