segunda-feira, 16 de maio de 2016

NATURAL, NATURALMENTE...

Não sei se algum de vocês viu o filme "Golpe Duplo", com Will Smith.
Numa cena ele mostra como fazer para induzir um sujeito a uma aposta. Durante um bom tempo o cara vai se deparando com aquele número nas mais diversas situações e acaba mordendo a isca.


Tem certos temas que ficam se insinuando bem assim.
Peças de um quebra-cabeças que vão surgindo espalhadas, como que a pedirem para serem unidas.
A primeira delas veio numa postagem de um querido casal de amigos sobre mais uma tirada genial da filha Manu. Reproduzo:

- Mamãe, homem não pode ficar grávido?
- Não...
- Mas e se o homem for casado com outro homem?
- Aí eles podem adotar uma criança.
- Mas nem se eles pedirem pra Deus?
Não tá certo isso...

Se não me engano, a autora da pérola acima ainda não tem 5 anos.

O comentário poderia fazer parte de uma velha seção da falecida revista Pais & Filhos chamada “Criança diz cada uma”. Só que o curto diálogo entre mãe e filha é muito mais simbólico do que pode parecer.



A inocência de Manu nos mostra como pode ser natural aceitar que haja um casal formado por dois homens. Não há nela qualquer filtro moral que a faça rotular isso como uma coisa errada. E talvez só mesmo com as novas gerações essa questão não seja algo tão relevante que valha um textão no Facebook ou tanta polêmica pelo mundo afora.

E como há, ainda, gente temerosa sobre como as crianças podem encarar essa nova realidade social. A crítica da vez é contra a Ideologia de Gênero, uma suposta "ditadura gay" na educação brasileira.
O combate à homofobia ou a simples busca de igualdade entre sexos nas escolas é tratado por religiosos ou por parlamentares da Bancada da Bíblia como um incentivo ao homossexualismo.
Vejam uma explicação deles sobre o tema no link abaixo:



E o que é pior é que o Ministério da Educação, pelo que parece, também vai fazer parte desse coro. 
No Facebook, a psicóloga cristã, Marisa Lobo, autora do livro “A ideologia de gênero na educação”, descreve o diálogo que teve com o Ministro da Saúde, Ricardo Barros. Segundo ela, Barros afirmou que o MEC agora pertence do DEM e que isso vai acabar.


Como subestimam a inteligência das crianças...

Se não forem elas, quem nos livrará desse preconceito tão arraigado?
Atire a primeira pedra aquele que, mesmo sendo contrário a qualquer tipo de discriminação, não tenha se flagrado diante de algum pensamento preconceituoso, mesmo que tenha se condenado segundos depois.

Não é fácil, não. 
Eu, mesmo defendendo aqui o direito de cada um amar quem bem lhe aprouver, vivo esbarrando em meus preconceitos, ainda que tente domá-los. Afinal foram anos e anos exposto a uma cultura homofóbica.

Querem um exemplo clássico?
O futebol.
Quantas vezes não gritei, no Maracanã: “ÔÔÔÔ, todo viado que eu conheço é tricolor!” ?
Quantos juízes não xinguei de viado?
Ou nos tempos mais comportados, de “bicha”?

Vai sempre ter alguém que argumente que arquibancada de futebol é lugar de catarse e que ali as pessoas só falam da boca pra fora. 
Só que não é bem assim, só gritamos assim porque há o preconceito. Porque acreditamos que dessa forma estamos ofendendo o adversário ou o juiz ou quem quer que seja.
Se chamar de gay, viado, bicha ou sapatão é ofensa, então há preconceito, sim senhor.



Não há dúvidas que o futebol e o homossexualismo são como água e óleo, pelo menos por cima dos panos. A revista Vice publicou um ótimo artigo sobre o tema: “Por que o futebol brasileiro ainda está trancado no armário?”, escrito por Letícia Naísa e Peu Araújo. 



O artigo também fala da função da mídia na propagação da homofobia, ainda que de forma indireta, na forma de ironias ou de críticas veladas. 
Nos últimos dias houve um estardalhaço por conta de declarações da apresentadora de TV Patrícia Abravanel, filha de Sílvio Santos. No programa do pai ela declarou que não considera normal uma relação homo-afetiva:

“Acho que a gente tem que ensinar para o jovem de hoje que homem é homem, e mulher é mulher. E se por acaso ele tiver alguma coisa dentro dele que fale diferente, aí tudo bem. O que está acontecendo é que estão falando que tudo é normal, tudo é bonito, o jovem acaba experimentando coisas que pode vir eventualmente a se arrepender depois.” 



Lógico que logo as redes sociais explodiram com críticas ferozes e manifestações de apoio inflamadas. Só que isso, ao invés de gerar um debate construtivo, acaba virando guerra.

A fala da moça, que é uma comunicadora de massa, para mim soa estranha. Parece que os jovens estariam correndo risco de contágio. Algum tipo de vírus que, se em contato com a pessoa, inverteria sua opção sexual “natural”. Algo totalmente irreversível. Um caminho sem volta.

Se o jovem ou o adulto sentir vontade de estar com outro homem, com outra mulher, com um trans, com vários de cada vez ou todos de uma vez só, isso é uma opção dele. Baste que se cuide, que use camisinha ou que se previna contra uma gravidez indesejada. Fazendo isso, por que ele se arrependeria depois?

Numa sociedade conservadora como a que ainda vivemos, a forma mais comum de combate ao homossexualismo é a associação com o pecado. Seria contra as escrituras, dizem... Mas o próprio Papa Francisco defende o acolhimento aos homossexuais como filhos de Deus e conclama a Igreja a compreender a sociedade moderna.

Por que, então, temos que continuar a ver rapazes sendo espancados porque andavam abraçados na rua? Ou meninas sendo humilhadas por trocar um selinho em público?



Tanta coisa mais grave pra gente se preocupar, tantos problemas para resolver e tem gente preocupada com a felicidade dos outros.

Não! Não há uma Ditadura Gay sendo implantada no Brasil ou no mundo.
Não! Gostar de alguém do mesmo sexo não é uma aberração.
Não! Ninguém deve se intrometer na vida particular dos outros.

Se as pessoas se convencerem disso ou se pelo menos se conformarem de que o mundo é mais complexo do que a caixinha em que vivem, a geração da Manu vai viver num mundo bem mais harmônico e feliz

PS: Não! Eu não sou homossexual. Mas se fosse, ninguém também teria nada a ver com isso.


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