segunda-feira, 2 de maio de 2016

O ENGRAXATE E A NOVA CUBA

Uma coisa que adoro fazer quando flano pelo Centro do Rio é sentar numa daquelas cadeiras altas de engraxate.
Enquanto o pisante recebe um trato, fico observando o vai e vem das pessoas, o pulsar da cidade.
Recuso jornal ou revista, prefiro bisbilhotar aquele mar de gente, o andar, o vestir, o comportamento de cada um e do todo.
Já tive alguns engraxates fixos, como o Tião na esquina de Senador Dantas com Francisco Serrador, muito bom por sinal.
As trocas se dão pela proximidade deles com meu local de trabalho.
Atualmente, quem cuida de meus sapatos é o Seu Joel.


Seu ponto é mais que uma cadeira de engraxate. Em frente ao Teatro Carlos Gomes, ali na Praça Tiradentes, ele mantém, também, uma oficina de sapateiro e uma sapataria de calçados usados. Tudo num espaço de uns 3 metros quadrados, que aparece até no Google Maps.


Seu Joel engraxa com capricho, sem pressa.
Segundo ele são cerca de 50 anos fazendo isso.
Gosta de papo, mas não de prestar serviço de informações. É impressionante como as pessoas preferem perguntar do que olhar placas de sinalização. Um misto de preguiça e insegurança, creio eu.
Na cabeça ou pendurada na cadeira está sempre uma boina de ex-combatente do exército.


Achava que seu Joel fosse ex-pracinha, mas hoje descobri que não.
Se tivesse feito as contas veria que aquele senhor não poderia ter servido na Itália. Teria que estar com quase 90 anos e, definitivamente, ele não tem tanta idade.
Me contou que participou durante dois anos de uma missão comandada pela OEA na República Dominicana.


Como nunca tinha ouvido falar dessa ação militar, fui pesquisar.
Pouco depois do Golpe Militar brasileiro completar 1 ano, o governo brasileiro retribuiu a gentileza do apoio norte-americano durante o processo de deposição de João Goulart enviando cerca de mil e trezentos soldados para participar, ao lado de tropas dos EUA e de outras ditaduras latino-americanas como o Paraguai (de Alfredo Stroessner) e a Nicarágua (sob comando de Anastácio Somoza), de uma suposta Operação de Paz da Organização dos Estados Americanos na ilha.
O que historiadores daqui afirmam é que havia o temor que o país seguisse o exemplo dos vizinhos e transformasse em "uma nova Cuba".


De acordo com a versão das Forças Armadas, a Força de Paz da OEA visava restaurar a normalidade na República Dominicana, garantir a segurança de seus habitantes, a inviolabilidade dos direitos humanos e o funcionamento das instituições democráticas em um país onde não havia um Governo legítimo e no qual dois grupos fortemente armados lutavam abertamente pelo poder, deixando a população desamparada e encurralada.



O que consta nos livros de história, no entanto é que a Guerra Civil de 1965 na República Dominicana, também conhecida como a Revolução de Abril, começou quando um grupo de jovens oficiais do exército e da polícia tentaram restaurar o governo constitucional do presidente Juan Bosch, primeiro governante democraticamente eleito depois da execução do ditador Rafael Leónidas Trujillo, que ficou 31 anos no poder. Bosch tivera seu mandato interrompido por um golpe de Estado em Setembro de 1963.




Como as ideias de Juan Bosch estavam muito mais próximas do pessoal de Sierra Maestra do que do Tio Sam, a OEA tratou de enviar “socorro” ao país caribenho.

Não sei se Seu Joel tem noção de tudo isso.
Se conhece ao certo as razões do tempo que passou por lá.
Quem sabe na próxima engraxada possamos conversar mais sobre o tema.

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