Nada incomoda mais os déspotas do que
a liberdade.
Liberdade do pensar... Liberdade do
dizer...
Liberdade do escrever... Liberdade do
cantar...
A música tem o dom libertário. Quem
canta, encanta.
Um encanto que transforma pessoas e
sociedades.
O veneno é a censura. Crua, cruel...
O antídoto é a criatividade, a
arte...
Assisti nos últimos dias à série
André Midani, do vinil ao download, produzido pela
Conspiração Filmes de Andrucha Waddington e veiculado pelo canal
GNT (pode ser assistido através do NOW e do Globosat Play). Uma aula
sobre a história da Música Popular Brasileira costurada pela
carreira do produtor musical André Midani, um sírio que foi parar
na França da Segunda Guerra e que fugiu para a América do Sul para
não ter que lutar na Guerra da Argélia. Um homem cujo destino
permitiu que vivesse sua grande paixão: a música.
No Brasil trabalhou em algumas das
maiores companhias de discos e ajudou a popularizar a Bossa Nova, a
Tropicália e o BRock. Não é à toa que a série conta com a
participação especialíssima de grandes nomes da MPB. De Caetano,
Gil, Erasmo e Jorge Benjor a Arnaldo Antunes e Marisa Monte, passando
por Frejat, Paralamas e Titãs, entre muitos outros. Cinco episódios
deliciosos de se ver, num clima de total descontração.
Clima esse que não impede, no entanto,
que sejam lembrados assuntos sérios como, por exemplo, a ação da
censura na MPB durante os anos de chumbo da Ditadura Militar. E aí
surgem histórias muito interessantes que eu, particularmente, não
conhecia.
Em dezembro de 1968, logo depois da
implantação do AI5, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos por
protestarem publicamente, em São Paulo, contra o regime militar. De
acordo com a ordem de prisão, através de mensagens "objetivas
e subjetivas à população" eles estariam incitando “a quebra
do direito e da ordem institucional" com o objetivo de subverter
o regime do governo estabelecido. Ficaram dois meses presos em
quartéis militares e mais quatro meses em prisão domiciliar. Como
o governo queria que deixassem o país, permitiu que fizessem um
último show na Bahia para conseguirem o dinheiro das passagens.
Isso tudo, muitos já sabem, mas a
novidade pra mim foi saber que no dia em que os dois embarcaram para
o exílio, em Londres, as maiores rádios de São Paulo e do Rio
tocavam a música Aquele Abraço, recém-gravada por Gil. A
ação foi orquestrada por Midani, para protestar contra a expulsão
de seus dois amigos. Sabia que a citação de Realengo na letra tinha
a ver com o local do quartel onde Gil ficara preso, mas, até então,
nunca tinha me tocado de que a expressão “aquele abraço” da
música tinha um sentido de adeus.
“Alô Rio de Janeiro
Aquele abraço!
Todo o povo brasileiro
Aquele abraço!”
Aquele abraço!
Todo o povo brasileiro
Aquele abraço!”
Outros episódios também são
lembrados, como o do show Phono 73, quando censores cortaram os
microfones do palco quando Chico Buarque e Gilberto Gil tentaram
cantar a música Cálice.
Alguns acontecimentos beiravam o
ridículo. A apresentação da música Eu também quero mocotó,
na finalíssima do Festival Internacional da Canção de 1970 levou
Erlon Chaves, intérprete da canção, e Boni, diretor da TV Globo,
que transmitia o evento, para a cadeia. A acusação seria de
atentado à moral, pois o mocotó em questão não seria o culinário
e sim o anatômico feminino. Logo foram liberados.
“Mocotó é abstrato....nãoooo
Mocotó é correlato....nãoooo
Mocotó é lagarto....nãoooo
O que é que mocotó e? É um barato
Eu quero mocotó...eu quero mocotó
Eu quero mocotó...eu quero mocotó”
Mocotó é correlato....nãoooo
Mocotó é lagarto....nãoooo
O que é que mocotó e? É um barato
Eu quero mocotó...eu quero mocotó
Eu quero mocotó...eu quero mocotó”
Mesmo nos anos 80, nos estertores da
Ditadura Militar a famigerada Dona Solange, da Censura, continuava em
ação. No primeiro disco da banda Blitz, duas faixas foram
censuradas: Cruel, Cruel esquizofrênico blues e Ela quer
morar comigo na lua. Na primeira delas porque havia um palavrão
(puta que pariu) e um duplo sentido para a palavra peru:
"Que esse vazio idiota que te
consome
E some com a tua paz
Que se foi como aquela empregada
radical
que você mandou embora numa cena feia
depois da ceia na noite de Natal
só porque ela pegou no peru do seu
marido, (peru de Natal...)"
Na segunda, a razão seria ainda mais
banal, a frase proibida era: “ela diz que eu ando bundando".
A vingança da gravadora foi, ao invés
de retirar as faixas do disco, incluí-las e riscá-las na matriz do
disco, para que em todas as cópias ficasse clara a ação dos
censores.
Por conta disso o grupo Titãs só
decidiu incluir a música Bichos Escrotos, uma das primeiras
composições do grupo, no terceiro LP, Cabeça de Dinossauro,
em 1986, depois do fim da Ditadura.
A censura é uma arma poderosa e
tentadora para aqueles que defendem raciocínios únicos.
Controlar para para evitar
questionamentos.
Proibir para sem impor.
Ameaçar para evitar riscos.
Vejam o caso do Projeto de Lei 215 que
tenta alterar o Marco Civil da Internet, permitindo a remoção de
conteúdo da web associado a qualquer pessoa. A nova lei permitiria
que figuras públicas solicitassem, sem ordem judicial, que todo
conteúdo que considerem difamatório ou prejudicial seja totalmente
deletado da web. E pra piorar, com ordem judicial, a polícia teria
acesso ao endereço e o CPF do autor da publicação.
Uma lei para promover o esquecimento.
Controlar, proibir, ameaçar...
Em pleno século XXI.
A lei passou pela Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara e a CPI dos Cibercrimes, em seu
relatório final, coadunou com as propostas acima. A aprovação,
porém, ainda precisa passar pelo plenário. Mas, do jeito que as
coisas vão em Brasília, todo cuidado é pouco...
Censura nunca mais!
Mais informações sobre a PL 215 e
vídeos sobre a série Do vinil ao download no meu blog:
impressoesdigitaisdocase.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário