quarta-feira, 6 de abril de 2016

CENSURA X MÚSICA

Nada incomoda mais os déspotas do que a liberdade.
Liberdade do pensar... Liberdade do dizer...
Liberdade do escrever... Liberdade do cantar...
A música tem o dom libertário. Quem canta, encanta.
Um encanto que transforma pessoas e sociedades.
O veneno é a censura. Crua, cruel...
O antídoto é a criatividade, a arte...

Assisti nos últimos dias à série André Midani, do vinil ao download, produzido pela Conspiração Filmes de Andrucha Waddington e veiculado pelo canal GNT (pode ser assistido através do NOW e do Globosat Play). Uma aula sobre a história da Música Popular Brasileira costurada pela carreira do produtor musical André Midani, um sírio que foi parar na França da Segunda Guerra e que fugiu para a América do Sul para não ter que lutar na Guerra da Argélia. Um homem cujo destino permitiu que vivesse sua grande paixão: a música.


No Brasil trabalhou em algumas das maiores companhias de discos e ajudou a popularizar a Bossa Nova, a Tropicália e o BRock. Não é à toa que a série conta com a participação especialíssima de grandes nomes da MPB. De Caetano, Gil, Erasmo e Jorge Benjor a Arnaldo Antunes e Marisa Monte, passando por Frejat, Paralamas e Titãs, entre muitos outros. Cinco episódios deliciosos de se ver, num clima de total descontração.



Clima esse que não impede, no entanto, que sejam lembrados assuntos sérios como, por exemplo, a ação da censura na MPB durante os anos de chumbo da Ditadura Militar. E aí surgem histórias muito interessantes que eu, particularmente, não conhecia.

Em dezembro de 1968, logo depois da implantação do AI5, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos por protestarem publicamente, em São Paulo, contra o regime militar. De acordo com a ordem de prisão, através de mensagens "objetivas e subjetivas à população" eles estariam incitando “a quebra do direito e da ordem institucional" com o objetivo de subverter o regime do governo estabelecido. Ficaram dois meses presos em quartéis militares e mais quatro meses em prisão domiciliar. Como o governo queria que deixassem o país, permitiu que fizessem um último show na Bahia para conseguirem o dinheiro das passagens.

Isso tudo, muitos já sabem, mas a novidade pra mim foi saber que no dia em que os dois embarcaram para o exílio, em Londres, as maiores rádios de São Paulo e do Rio tocavam a música Aquele Abraço, recém-gravada por Gil. A ação foi orquestrada por Midani, para protestar contra a expulsão de seus dois amigos. Sabia que a citação de Realengo na letra tinha a ver com o local do quartel onde Gil ficara preso, mas, até então, nunca tinha me tocado de que a expressão “aquele abraço” da música tinha um sentido de adeus.

“Alô Rio de Janeiro
Aquele abraço!
Todo o povo brasileiro
Aquele abraço!”



Outros episódios também são lembrados, como o do show Phono 73, quando censores cortaram os microfones do palco quando Chico Buarque e Gilberto Gil tentaram cantar a música Cálice.



Alguns acontecimentos beiravam o ridículo. A apresentação da música Eu também quero mocotó, na finalíssima do Festival Internacional da Canção de 1970 levou Erlon Chaves, intérprete da canção, e Boni, diretor da TV Globo, que transmitia o evento, para a cadeia. A acusação seria de atentado à moral, pois o mocotó em questão não seria o culinário e sim o anatômico feminino. Logo foram liberados.

“Mocotó é abstrato....nãoooo
Mocotó é correlato....nãoooo
Mocotó é lagarto....nãoooo
O que é que mocotó e? É um barato

Eu quero mocotó...eu quero mocotó
Eu quero mocotó...eu quero mocotó”



Mesmo nos anos 80, nos estertores da Ditadura Militar a famigerada Dona Solange, da Censura, continuava em ação. No primeiro disco da banda Blitz, duas faixas foram censuradas: Cruel, Cruel esquizofrênico blues e Ela quer morar comigo na lua. Na primeira delas porque havia um palavrão (puta que pariu) e um duplo sentido para a palavra peru:

"Que esse vazio idiota que te consome
E some com a tua paz
Que se foi como aquela empregada radical
que você mandou embora numa cena feia
depois da ceia na noite de Natal
só porque ela pegou no peru do seu marido, (peru de Natal...)"

Na segunda, a razão seria ainda mais banal, a frase proibida era: “ela diz que eu ando bundando".

A vingança da gravadora foi, ao invés de retirar as faixas do disco, incluí-las e riscá-las na matriz do disco, para que em todas as cópias ficasse clara a ação dos censores.




Por conta disso o grupo Titãs só decidiu incluir a música Bichos Escrotos, uma das primeiras composições do grupo, no terceiro LP, Cabeça de Dinossauro, em 1986, depois do fim da Ditadura.

A censura é uma arma poderosa e tentadora para aqueles que defendem raciocínios únicos.
Controlar para para evitar questionamentos.
Proibir para sem impor.
Ameaçar para evitar riscos.

Vejam o caso do Projeto de Lei 215 que tenta alterar o Marco Civil da Internet, permitindo a remoção de conteúdo da web associado a qualquer pessoa. A nova lei permitiria que figuras públicas solicitassem, sem ordem judicial, que todo conteúdo que considerem difamatório ou prejudicial seja totalmente deletado da web. E pra piorar, com ordem judicial, a polícia teria acesso ao endereço e o CPF do autor da publicação.
Uma lei para promover o esquecimento.

Controlar, proibir, ameaçar...
Em pleno século XXI.

A lei passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e a CPI dos Cibercrimes, em seu relatório final, coadunou com as propostas acima. A aprovação, porém, ainda precisa passar pelo plenário. Mas, do jeito que as coisas vão em Brasília, todo cuidado é pouco...
Censura nunca mais!



Mais informações sobre a PL 215 e vídeos sobre a série Do vinil ao download no meu blog:

impressoesdigitaisdocase.blogspot.com.br

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