quarta-feira, 20 de abril de 2016

GRAN CIRCO CUNHA


No último domingo, por ossos do ofício, tive que acompanhar toda a votação do prosseguimento do processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Mas esta postagem não vai ser apenas para lamentar as lamentáveis performances de suas excelências. Isso já foi bem batido nos últimos dias.
Gostaria, no entanto, de convidá-los a uma breve análise de algumas das causas; do que leva nossa Câmara a ser essa “vergonha alheia” que vimos.



Um fato curioso daquele dia, na redação da TV Brasil, onde trabalho, era a expectativa pelo voto do deputado Tiririca (PR-SP) e explica-se: em meio a toda aquela palhaçada, estávamos curiosos para saber como seria o voto de um palhaço de ofício. O “sim”, no entanto, soou como um anticlímax. Esperávamos pela piada, pelo voto no “não”.
O voto de Tiririca, diga-se de passagem, não teve nada de estrombólico como o da enorme maioria de sus colegas.

Veja a montagem feita pela Mídia Ninja: https://www.youtube.com/watch?v=98oJ5PD_Lac



Mas Tiririca tem uma boa parcela de culpa pelo que se viu naquele circense domingo. Ele e outros grandes “puxadores de votos”.
Tiririca, com sua votação, garantiu mais dois deputados para seu partido.
Celso Russomanno, com 1.524.361 de votos obtidos, garantiu a vaga dele e de mais quatro candidatos do PRB-SP.
Jair Bolsonaro (PP-RJ), com 464.500 votos, junto com Eduardo Cunha (PMDB), que recebeu 232.708 votos, ajudou a eleger também outros 17 nomes da coligação PMDB/PP/PSC/PSD/PTB. Entre eles Marco Antonio Cabral, filho de Sérgio Cabral, ex-governador do Estado.



Por essas e outras, apenas 36 candidatos a deputado federal foram eleitos por voto direto e nominal em 2014. Os outros herdaram votos.
A culpa é do chamado quociente eleitoral, uma conta que determina quantos votos são necessários para que um deputado se eleja.

A regra proporciona que deputados com uma mínima representatividade cheguem ao poder legislativo federal e gera discrepâncias. Graças a essa lógica o advogado Fábio Pinato (PRB-SP), por exemplo, conseguiu uma vaga no Câmara com pouco mais de 22 mil votos, enquanto Antônio Mendes Thame (PSDB-SP) não foi reeleito apesar dos mais de 106 mil votos.

Para melhor aproveitar a regra do jogo, os partidos também se aproveitam dos incautos, como explica o Mestre em Direito Processual da Uerj, Iorio Siqueira D'Alessandri Forti:
“Outra tática comum nos partidos mais toscos é oferecer centenas de candidatos inexpressivos em um mesmo Estado, como “Joãozinho do açougue”, “Manoel pipoqueiro” ou “Mariazinha enfermeira”, que atraem uns dois mil votos dos vizinhos/clientes para, ao final, conseguir eleger um ou dois caciques que, com suas próprias forças, não seriam eleitos. Por isso, de nada serve o discurso de “eu não me interesso pelo partido, só quero saber da pessoa em quem estou votando”. Cabe a cada um fiscalizar a coerência programática do partido, porque o voto dado a Fulano pode servir para eleger somente Beltrano.”

O abuso do poder econômico em campanhas milionárias é outro fator que explica a “fauna” de nossa Câmara.
Vários parlamentares são investigados por conta da omissão dos reais valores gastos para convencerem eleitores. Dinheiro que, na maioria das vezes não sai de seus bolsos e sim dos bolsos de “doadores”. Mas sabemos que, na verdade, tais doações soam melhor como “investimentos”. Ou seja, um grupo econômico financia um político para que ele defenda os seus interesses no Congresso Nacional e não necessariamente os interesses dos eleitores.



Mais um detalhe: 38 deputados federais eleitos em 2014 respondiam a processos na ocasião da posse (26 votaram sim no processo de Impeachment, 10 votaram não e 2 nem votaram).

A preocupação apenas com os interesses dos financiadores de campanha e não com os da população de modo geral poderia, quem sabe, explicar o grande número de ausências nas sessões plenárias deliberativas.
Em 2015, só 4% dos parlamentares (cerca de 20) compareceram às 125 sessões com presença obrigatória.
Alegando questões de saúde, houve deputado que faltou a mais de 100 desses sessões, sem qualquer risco de cassação, pois atestados médicos são aceitos como justificativa de ausência.
Porém, o número de faltas não justificadas espanta. Guilherme Messi (PP-SP) não compareceu a 30 sessões sem nada explicar. Já Edmar Arruda (PSC-PR), “matou” 25 sessões, também sem qualquer justificativa.

Pense comigo: o que seu patrão faria caso você faltasse 25 ou 30 dias durante o ano sem qualquer explicação?
Mas o patrão deles, ou seja, o povo brasileiro, é bonzinho, não faz nada.
Os dois já estão no segundo mandato.

Dos 30 maiores faltosos da Câmara, 20 votaram pelo afastamento da presidenta e 10 pela sua permanência.

Hoje existem 35 partidos políticos no Brasil e outros 20 podem vir por aí. A política, como se vê, parece ser extremamente sedutora.
Uma saída seria uma ampla reforma política, mas isso teria que passar pelo Congresso Nacional.
Você, em sã consciência, acredita que deputados e senadores que lá estão vão querer atentar contra o próprio status quo?



Também existe a questão da influência cada vez maior da religião na política (mas isso vale uma postagem só para o tema) e outros fatores que podem explicar o festival de bizarrices que vimos, como a tradicional e tacanha teatralidade do político brasileiro ou a oportunidade dos 30 segundos de fama em rede nacional. Mas o fato é que a população brasileira pôde se confrontar com sua criatura.
Sim, porque somos nós que os colocamos lá.
Somos nós os maiores responsáveis.

Será que a vergonha causada por aquele grotesco espetáculo fará com que as pessoas prestem mais atenção na hora de votar, que levem o ato do voto mais a sério, ou nossa democracia é tão frágil assim que não conseguiremos jamais ter um poder legislativo competente?

Parafraseando e adaptando a letra da música Índios do Legião Urbana, “nos deram espelhos e vimos um Brasil doente”.
O que faremos daqui pra frente é o que nos resta decidir.




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