terça-feira, 12 de abril de 2016

DE OLHO NO "DESCONFIÔMETRO"

Noutro dia, minha querida amiga Dadi Mascarenhas me mostrou, via Facebook, uma notícia sobre um suposto atentado durante uma manifestação pró-Impeachment. Um grupo de esquerda teria incendiado um automóvel com uma família dentro só porque o carro tinha um adesivo contra o governo. A notícia era de um falso site noticioso chamado A Folha do Brasil e mostrava, inclusive, uma foto do carro em chamas. No texto, detalhes sórdidos como o que narrava o apelo do pai para que ao menos a esposa e o filho fossem poupados. Pura balela, mas, infelizmente, uma balela retransmitida por aqueles que achavam que se tratava de um fato real. Ou pelos que mal intencionadamente decidiram fazê-lo, mesmo sabendo que era uma notícia falsa. Vejam o texto na imagem ( o mesmo foi retirado do ar, mas resgatado graças ao cache).



Numa breve busca na Internet encontrei uma notícia que pode ter sido a fonte “inspiradora” dos boateiros. No dia 11 de março três pessoas morreram, em Sergipe, depois que um caminhão bateu em 11 carros parados na BR-101 devido a um ato do MST. Sete carros pegaram fogo e três vítimas, um homem, uma mulher e uma criança morreram carbonizadas. A foto também não foi difícil de localizar. Trata-se de um carro incendiado em um dos protestos de 2013, ao lado do prédio da Assembleia Legislativa do Rio.


Boatos virtuais são cada vez mais comuns. Vejam o que aconteceu com Chico Buarque de Hollanda. Alguém fez uma edição do DVD Desconstrução no qual Chico, por conta da faixa “Ahmed- a máfia da composição” brinca dizendo que não compõe e sim compra as músicas que grava. A montagem deu um falso contexto às falas com o intuito de denegrir o cantor, que apoia abertamente o governo. E o pior e que muita gente acreditou e compartilhou.




Assim como foi muito compartilhada a informação de que a ministra do STF Rosa Weber seria prima da esposa de Aécio Neves e que por isso estaria eticamente impedida de se envolver nas votações sobre o Impeachment. A postagem também dizia que o filho dela trabalharia na Rede Globo. Duas informações falsas.



O bang-bang virtual promovido pela crise que vivemos ajuda a propagar um péssimo hábito, o da falta de uso do “desconfiômetro”. Muita gente compartilha postagens sem ao menos ler sobre o que se trata. Se a manchete é a favor de suas convicções dão um clique e, pronto, o post segue sua trilha Internet adentro. Outros até leem, mas não checam. Acreditam piamente. Não importa se aquilo atenta contra a honra de alguém ou se alimenta ódios. E não pode ser assim. Toda notícia tem uma fonte e com o acesso a uma ferramenta de busca básica como o Google é muito simples checar de onde partiu aquela informação. Num mundo tão globalizado, conspirações, vazamentos, furos são cada vez mais difíceis de acontecer e, se acontecem, logo ganham repercussão em órgãos de comunicação.

Não quer dizer que jornais sejam 100% confiáveis (longe disso!!!), mas têm mais responsabilidade na apuração (pelo menos deveriam ter). Embora se falarmos de tabloides, por exemplo, isso não seja regra. Vejam a notícia de que a atriz Angelina Jolie teria sido internada em estado grave pesando apenas 35 quilos. A capa do jornal sensacionalista National Inquirer dizia também que (vejam só) o câncer estaria “comendo” a atriz viva e que, além de anorexia, Jolie também estaria paranoica. Imaginem quantos milhões de compartilhamentos essa capa teve ao redor do mundo? Imaginem como isso atinge uma pessoa, mesmo se ela for uma celebridade “acostumada” a esse tipo de coisa. O jornal afirma que as informações vieram de fontes do hospital. As tais fontes anônimas, por sinal, se tornaram uma licença para o mau jornalismo.



Fontes são importantíssimas para um jornalista. São elas que mostram a porta de entrada para investigações que nem teriam nascido caso anônimos (pelo menos para o público em geral) não revelassem algum conteúdo sigiloso. Mas só o depoimento de uma fonte não é uma matéria. A reportagem deve partir da informação e não morrer nela. Dou como exemplo o filme “Conspiração e poder” (prefiro o título em inglês “Truth”, que quer dizer verdade). Sem spoilers digo apenas que a produtora executiva de um dos mais consagrados programas jornalísticos da TV americana se deixou levar por uma fonte e sem a apuração correta pagou um peço muito alto. Prova de que o bom jornalismo não se faz com pressa. O filme é baseado numa história verídica envolvendo o âncora Dan Rather e o ex-presidente americano George W. Bush.



E pra finalizar, ainda falando de fontes, chegamos ao caso dos Panama Papers. Uma quantidade descomunal de documentos de uma firma de advocacia com sede no Panamá especializada em abrir offshores, empresas capazes de esconder dinheiro ilegalmente obtido. O escândalo envolve de líderes mundias a empresários, passando por diversas outras atividades que geram muito dinheiro, legal ou não. A denúncia em forma de vazamento chegou ao jornal alemão Süddeustche Zeitung que, incapaz de lidar com o volume gigantesco de informações, buscou ajuda junto ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. O vazamento já foi anunciado, porém o trabalho está longe de acabar e envolve mais de 300 jornalistas de todos os continentes, excetuando o Antártico. Jornalistas que souberam manter o embargo coletivo até o dia da divulgação conjunta e que ainda podem, com muita checagem, com muito cruzamento de dados, com muitas entrevistas trazer informações ainda mais relevantes sobre o tema. 



A coluna de Dorrit Harazin no O Globo do último domingo dá todos os detalhes da ação jornalística.





Seja no jornalismo profissional, seja no mero compartilhamento de notícias nas redes sociais, a responsabilidade tem que dar o tom. O Facebook é uma grande ferramenta para a propagação de informações, desde as mais banais até as mais relevantes, mas não faltam arapucas. Porém, com um pouco de bom senso e olho no “desconfiômetro” dá pra escapar de todas elas.

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