Noutro dia, minha querida amiga Dadi
Mascarenhas me mostrou, via Facebook, uma notícia sobre um suposto
atentado durante uma manifestação pró-Impeachment. Um grupo de
esquerda teria incendiado um automóvel com uma família dentro só
porque o carro tinha um adesivo contra o governo. A notícia era de
um falso site noticioso chamado A Folha do Brasil e mostrava,
inclusive, uma foto do carro em chamas. No texto, detalhes sórdidos
como o que narrava o apelo do pai para que ao menos a esposa e o
filho fossem poupados. Pura balela, mas, infelizmente, uma balela
retransmitida por aqueles que achavam que se tratava de um fato real.
Ou pelos que mal intencionadamente decidiram fazê-lo, mesmo sabendo
que era uma notícia falsa. Vejam o texto na imagem ( o mesmo foi
retirado do ar, mas resgatado graças ao cache).
Numa breve busca na Internet encontrei
uma notícia que pode ter sido a fonte “inspiradora” dos
boateiros. No dia 11 de março três pessoas morreram, em Sergipe,
depois que um caminhão bateu em 11 carros parados na BR-101 devido a
um ato do MST. Sete carros pegaram fogo e três vítimas, um homem,
uma mulher e uma criança morreram carbonizadas. A foto também não
foi difícil de localizar. Trata-se de um carro incendiado em um dos
protestos de 2013, ao lado do prédio da Assembleia Legislativa do
Rio.
Link da notícia:http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1601502-tres-morrem-em-acidente-em-meio-a-protesto-do-mst-em-sergipe.shtml
Link da foto: http://www.motornews.com.br/final-feliz-para-o-drama-do-dono-do-carro-queimado-durante-protestos-na-alerj/
Boatos virtuais são cada vez mais
comuns. Vejam o que aconteceu com Chico Buarque de Hollanda. Alguém
fez uma edição do DVD Desconstrução no qual Chico, por conta da
faixa “Ahmed- a máfia da composição” brinca dizendo que não
compõe e sim compra as músicas que grava. A montagem deu um falso
contexto às falas com o intuito de denegrir o cantor, que apoia
abertamente o governo. E o pior e que muita gente acreditou e
compartilhou.
Link do vídeo:https://www.youtube.com/watch?v=aA0IY_BqliA
Assim como foi muito compartilhada a
informação de que a ministra do STF Rosa Weber seria prima da
esposa de Aécio Neves e que por isso estaria eticamente impedida de
se envolver nas votações sobre o Impeachment. A postagem também
dizia que o filho dela trabalharia na Rede Globo. Duas
informações falsas.
O bang-bang virtual promovido pela
crise que vivemos ajuda a propagar um péssimo hábito, o da falta de
uso do “desconfiômetro”. Muita gente compartilha postagens sem
ao menos ler sobre o que se trata. Se a manchete é a favor de suas
convicções dão um clique e, pronto, o post segue sua trilha
Internet adentro. Outros até leem, mas não checam. Acreditam
piamente. Não importa se aquilo atenta contra a honra de alguém ou
se alimenta ódios. E não pode ser assim. Toda notícia tem uma
fonte e com o acesso a uma ferramenta de busca básica como o Google
é muito simples checar de onde partiu aquela informação. Num mundo
tão globalizado, conspirações, vazamentos, furos são cada vez
mais difíceis de acontecer e, se acontecem, logo ganham repercussão
em órgãos de comunicação.
Não quer dizer que jornais sejam 100%
confiáveis (longe disso!!!), mas têm mais responsabilidade na
apuração (pelo menos deveriam ter). Embora se falarmos de
tabloides, por exemplo, isso não seja regra. Vejam a notícia de que
a atriz Angelina Jolie teria sido internada em estado grave pesando
apenas 35 quilos. A capa do jornal sensacionalista National
Inquirer dizia também que (vejam só) o câncer estaria
“comendo” a atriz viva e que, além de anorexia, Jolie também
estaria paranoica. Imaginem quantos milhões de compartilhamentos
essa capa teve ao redor do mundo? Imaginem como isso atinge uma
pessoa, mesmo se ela for uma celebridade “acostumada” a esse tipo
de coisa. O jornal afirma que as informações vieram de fontes do
hospital. As tais fontes anônimas, por sinal, se tornaram uma
licença para o mau jornalismo.
Fontes são importantíssimas para um
jornalista. São elas que mostram a porta de entrada para
investigações que nem teriam nascido caso anônimos (pelo menos
para o público em geral) não revelassem algum conteúdo sigiloso.
Mas só o depoimento de uma fonte não é uma matéria. A reportagem
deve partir da informação e não morrer nela. Dou como exemplo o
filme “Conspiração e poder” (prefiro o título em inglês
“Truth”, que quer dizer verdade). Sem spoilers
digo apenas que a produtora executiva de um dos mais consagrados
programas jornalísticos da TV americana se deixou levar por uma
fonte e sem a apuração correta pagou um peço muito alto. Prova de
que o bom jornalismo não se faz com pressa. O filme é baseado numa
história verídica envolvendo o âncora Dan Rather e o ex-presidente
americano George W. Bush.
E pra finalizar, ainda falando de
fontes, chegamos ao caso dos Panama Papers. Uma quantidade
descomunal de documentos de uma firma de advocacia com sede no Panamá
especializada em abrir offshores, empresas capazes de esconder
dinheiro ilegalmente obtido. O escândalo envolve de líderes mundias
a empresários, passando por diversas outras atividades que geram
muito dinheiro, legal ou não. A denúncia em forma de vazamento
chegou ao jornal alemão Süddeustche Zeitung que, incapaz de lidar
com o volume gigantesco de informações, buscou ajuda junto ao
Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. O vazamento
já foi anunciado, porém o trabalho está longe de acabar e envolve
mais de 300 jornalistas de todos os continentes, excetuando o
Antártico. Jornalistas que souberam manter o embargo coletivo até o
dia da divulgação conjunta e que ainda podem, com muita checagem,
com muito cruzamento de dados, com muitas entrevistas trazer
informações ainda mais relevantes sobre o tema.
A coluna de Dorrit
Harazin no O Globo do último domingo dá todos os detalhes da
ação jornalística.
Link da coluna: http://oglobo.globo.com/opiniao/jornalismo-em-alta-19048496
Seja no jornalismo profissional, seja
no mero compartilhamento de notícias nas redes sociais, a
responsabilidade tem que dar o tom. O Facebook é uma grande
ferramenta para a propagação de informações, desde as mais banais
até as mais relevantes, mas não faltam arapucas. Porém, com um
pouco de bom senso e olho no “desconfiômetro” dá pra escapar de
todas elas.
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