terça-feira, 9 de abril de 2019

MAIS UM OU MENOS UM?






Receita para uma tragédia. Coloque fuzis nas mãos de jovens despreparados em meio a um centro urbano extremamente violento, acrescente doses generosas e genuínas de medo e tempere com preconceito racial. A mistura explosiva está pronta.

80 tiros em um único veículo suspeito. É quase um milagre que só um dos passageiros tenha morrido.

Ato cruel? Se levarmos em conta o fuzilamento, sim.

Mas se pegarmos o fio da meada dessa história vamos perceber que esse tipo de desfecho apesar de chocante, não surpreende.






Vivemos um momento em que as autoridades do País e do estado do RJ defendem soluções extremas para a questão. O presidente é a favor do porte de armas para "cidadãos de bem". O governador diz que já há atiradores de elite em ação para exterminar traficantes. E entre uma criminalidade fortemente armada e forças de segurança com licença para matar está a população. Estava a família do músico Evaldo Rosa, que se dirigia a uma festa. Estava também Luciano Macedo, que foi atingido por três disparos de fuzil ao tentar ajudar as vítimas e está em coma.

Tanto policiais como militares estão atirando antes e perguntando depois. Os números comprovam. Só no ano passado foram cerca de 1.500 mortes em intervenções policiais no Rio. Um recorde. Alguns agem por medo, outros para intencionalmente eliminar inimigos, mas todos contam com a certeza da complacência de seus superiores. Se o próprio presidente da República diz que é preciso " ir com tudo para cima deles (bandidos) e dar para o policial e agentes da segurança pública o excludente de ilicitude. Ele entra, resolve o problema. Se matar dez, 15 ou 20, com dez ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado", por que pensar duas vezes antes de apertar o gatilho?

O primeiro posicionamento do Exército, nesse caso, foi defender seus homens dizendo que apenas reagiram a uma "injusta agressão ". Versão logo desmentida pelo vídeo de um morador próximo ao local do fuzilamento. 



Como poucas horas antes tinha havido um confronto entre militares e traficantes da região, tudo leva crer que ao verem um carro com vários negros a bordo, os soldados acharam que se tratava de um "bonde" e não pensaram duas vezes antes de dispararem fartamente seus fuzis contra o alvo suspeito.

Será que se fossem homens brancos no carro a reação seria a mesma?

Certa vez, escrevendo um texto crítico contra o machismo, fui alertado por minha filha para que tomasse cuidado para não me apropriar do discurso feminino e aqui incorro no mesmo risco, mas não há como não levantar esse questionamento. Uma pesquisa de 2017 mostrou que nove em cada 10 mortos pela Polícia Militar do RJ eram negros ou pardos.

Evaldo foi mais um deles. Mas para os algozes, seria apenas menos um, menos uma possível ameaça.
Para as estatísticas foi mais um, mais um negro morto. 







Difícil vai ser explicar ao filho da vítima, uma criança de apenas sete anos, essa dura realidade que tirou seu pai e que certamente ele ainda terá que enfrentar durante toda a vida.

E ainda há quem diga que não há racismo no Brasil.      

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