terça-feira, 9 de abril de 2019

MUITO A LAMENTAR


Primeiro era para comemorar, mas como desdizer o que foi dito já virou hábito, houve um “ajuste” de vocabulário e a determinação passou a ser de rememorar o que o presidente chama de Revolução de 64 (há, ainda, quem prefira se referir a ela como a Redentora).
Pois bem, nesse primeiro de abril (data que por si só já diz muita coisa), o Golpe Militar completa 55 anos e o incentivador de suas comemorações, ou rememorações vai estar estrategicamente bem longe, em Israel.
A aproximação com o sionista Benjamin Netanyahu se deu por conta das declarações, após eleito, de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém (assim como fez o idolatrado Donald Trump). A medida é uma demanda da base neo-pentecostal que apoia (pero no mucho) o Governo. Dias atrás, contudo, o mandatário nacional já não era tão enfático e disse que talvez abra um escritório de negócios na cidade.
Entre os compromissos agendados está uma visita ao Muro das Lamentações. Não seria nada demais se o dito cujo fosse um turista. Eu, quando estive em Israel, fui ao Muro duas vezes. Uma delas em pleno shabbat. Por respeito usei um kipá e com esse narigão que Deus me deu saí distribuindo shaloms como um local. A palavra hebraica significa paz, harmonia, integridade, prosperidade, bem-estar e tranquilidade, mas também pode ser usada simplesmente como um oi ou tchau.

A imagem pode conter: Rafael Casé, barba e atividades ao ar livre

A visita de um Chefe de Estado, ainda mais acompanhada do Primeiro-Ministro israelense, no entanto, nada tem de turística. É uma demonstração de posicionamento diplomático no complicado xadrez do Oriente Médio. Não vou entrar em detalhes sobre os desdobramentos dessa aproximação, até porque não sou especialista na área. Mas é de ampla divulgação o descontentamento de alguns parceiros comerciais brasileiros na região e represálias nessa área não poderão ser vistas com surpresa.
Como a visita ao Muro se dará justamente em primeiro de abril, dia do golpe, me veio uma ideia. Poderíamos construir muros das lamentações por aqui também.
O Muro de Jerusalém ganhou essa denominação por conta das rezas em frente ao que restou do Segundo Templo, construído no mesmo local do Templo de Salomão. Durante os últimos dois mil anos, os judeus oram em frente ao Muro e, desta forma, expressam seu lamento pela destruição da cidade e a dispersão do povo judeu.
Nossos muros poderiam servir para que lamentássemos as vítimas da Ditadura Militar em nosso país. Homens, mulheres e crianças que foram torturados, assassinados e desaparecidos durante vinte anos (a Comissão da Verdade fala em pelo menos 434 pessoas). Lamentaríamos também pelos que tiveram que deixar o país para que o pior não acontecesse.
Todavia, assim como em Jerusalém esses muros não seriam apenas locais destinados a um sentimento de angústia e queixa. A tradição de colocar pedaços de papel com pedidos nas frestas das pedras também poderia ser aplicada aqui. Pedidos para que a ignorância não prevaleça, para que o País assuma seu passado, para que as Forças Armadas admitam que houve excessos e abram seus arquivos, para que sejam localizados cemitérios clandestinos e famílias possam enterram dignamente seus mortos, para que a tortura seja abolida de vez do país (ela ainda existe e é aplicada dentro de favelas, delegacias e presídios) e para que nunca mais vivamos uma Ditadura.

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