sexta-feira, 12 de abril de 2019

OS DRAMAS E AS COISAS CORRIQUEIRAS



Quando eu era criança, lá pelos idos dos anos 1960, a Scuderie Le Cocq era famosa no Rio de Janeiro. Um grupo formado por policiais que agia fora dos limites impostos pela lei para “controlar” a criminalidade. Seus métodos nada ortodoxos logo fizeram com que também fosse conhecida como o Esquadrão da Morte.


Meio século depois, com o crescimento do tráfico, a ideia de ter policiais, e até bombeiros, agindo “por fora” para garantir a segurança da população voltou a ganhar fôlego. O exemplo de Vila das Pedras, em Jacarepaguá, primeira comunidade a adotar o sistema, passou a se espalhar.
Só que as novas “autoridades” do pedaço, para garantir a tranquilidade do local, passaram a cobrar um tipo de imposto mensal de comerciantes e moradores. Depois passaram a monopolizar alguns serviços. Galões de água e botijões de gás tinham que ser comprados com eles, por preços mais altos, claro. Serviço de TV a cabo, tinha também. O famoso Gatonet.
Daí a conseguir eleger candidatos ligados a eles, foi um pulo.


Com a falta de repressão das autoridades, muitas delas com ligações íntimas com esses grupos (exemplos recentes mostram que deputados empregavam parentes de milicianos em seus gabinetes), a milícia carioca se expandiu.
É certo que várias prisões de chefes desses grupos e de “soldados” da milícia foram realizadas. Só que, como no caso do tráfico de drogas, deixaram a coisa alcançar um estágio difícil demais de ser debelado.
Hoje são vários grupos de milicianos que, tal como os traficantes, loteiam pedaços da cidade. E o pior, todas essas facções de bandidos, sejam do tráfico ou de farda, disputam territórios entre si, deixando a população em meio ao fogo cruzado, como aconteceu esta semana na Praça Seca, na Zona Oeste.
Essa região, a maior do Rio, por sinal, é a preferida dos milicianos. É lá que expandem seus domínios sob o pulso frouxo da Prefeitura e do governo do Estado e a complacência de alguns setores da Justiça. Um exemplo é a construção de edifícios em áreas irregularmente ocupadas. Eles simplesmente tomam posse e ai daquele proprietário que tentar reclamar.
São prédios de até 10 andares de altura, sem qualquer vistoria dos órgãos públicos, sem qualquer tipo de garantia estrutural e sem escritura. A preços mais baixo que os de mercado, acabam encontrando compradores, apesar de tudo e de todos.
Os prédios que desabaram na comunidade do Muzema eram assim.


E se podemos ter uma certeza é de que, apesar da tragédia, outros serão construídos e habitados. Afinal, para as autoridades que estão à frente da Cidade e do Estado ou para alguns juízes, esses devem ser problemas corriqueiros.
E, na pior das hipóteses, sempre dá pra acusar a imprensa de estar fazendo drama demais.


  

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