"O poente na espinha das tuas montanhas/ Quase arromba a retina de quem vê"
O verso é de Chico Buarque (contumaz “chupador de pau de
Lula”, segundo a entrevista recente de Nana Caymmi), na canção “Carioca”.
Ele me veio de imediato à cabeça quando, ao sair do túnel
Rebouças, na Lagoa, me deparei, além de um grande engarrafamento, com o belo
visual da foto que estampa esta postagem.
O Rio de Janeiro é responsável por colocar nossos cérebro e
coração em um octógono de MMA, para que se digladiem a todo instante. A mente
nos expondo todas as mazelas da ex-Cidade Maravilhosa e o coração se rendendo a
cada paisagem que ainda se mantém exuberante.
Quando um prefeito diz que a cidade que governa é uma
“esculhambação completa” e você não se surpreende, é porque a coisa realmente está
feia. E é fácil entender a falta de espanto com o alcaide. Ele mesmo não tem
feito nada para que esse quadro melhore. Se elegeu para “cuidar das pessoas”
daqui e pouco ou nada fez. Uma das administrações mais nulas de todos os
tempos. E olha que não faltam péssimos concorrentes nessa disputa. Mesmo assim,
apesar de tudo isso, creiam (e o verbo foi, sim, intencionalmente escolhido),
já está em campanha para a reeleição.
Uma certeza, todavia, me assalta (talvez não seja o verbo
mais indicado em se tratando de limpar um pouco a barra de minha cidade, mas vá
lá): o Rio de Janeiro, apesar da violência, da desordem urbana, da sujeira,
além de todos outros males inerentes a grandes centros urbanos, já teria
sucumbido, se não fosse o Rio.
Alguns lerão essa frase e dirão que ela é ufanista (e
talvez haja uma certa porcentagem de bajulação, mesmo), mas quero que
raciocinem comigo. Que outra cidade com tantos problemas alardeados aos quatro
ventos (até por seu prefeito) conseguiria se manter viva como um dos desejos
turísticos mundiais?
Tudo bem, eu sei que não recebemos nem um décimo dos
visitantes que poderíamos, que muitos hotéis estão ociosos e alguns (como o
acolhedor hostel de meus amigos Jacques e Márcia Eskinazi) fecharam as portas.
Porém o potencial dessa cidade é enorme e quanto a isso não há o que discutir.
Vejam o resultado de uma pesquisa aplicada pelo Ministério do Turismo após os
Jogos Olímpicos de 2016. Apesar de tudo e de todos os envolvidos nas desventuras
da cidade, 87,7% dos turistas estrangeiros declararam ter intenção de voltar ao
Brasil e 94,2% dos turistas brasileiros afirmaram que gostariam de voltar ao
Rio de Janeiro.
Não tem jeito. Apesar de toda a maledicência, tanto de quem
convive dioturnamente com esse caos quanto de invejosos de alhures (sim, os
há), a indiferença não combina com essa cidade. O Rio tem esse dom de
surpreender, de seduzir. Certa vez, um francês que decidiu abandonar a fria
terra natal para aqui se aboletar por um tempo me falou que não cansava de se
espantar com as montanas da cidade mergulhando no mar. Nós, que aqui nascemos,
nos acostumamos com tanta beleza que passa pela janela de carros e ônibus. Para
nós, por vezes parece ser como o título daquele clássico da Bossa Nova: “Inútil
Paisagem”. Contudo, se num átimo prestamos atenção a ela, nos cai o queixo como
o de qualquer visitante de primeira viagem e o peito se enche de orgulho.
Carioca é assim, fazer o que? Somos os mal-amados mais
apaixonados do Brasil. E pra ser carioca assim nem é preciso nascer aqui. Mesmo
sem largar o forte sotaque de outras regiões do país ou de terras de além-mar,
esses moradores da cidade podem ser dizer cariocas da gema. Pode ser o
paraibano que inventou o sashimi de coco verde na beira da Lagoa, o refugiado
sírio que tem a barraquinha de quibes e esfihas no Largo da Carioca, ou o
lépido e fagueiro jornalista inglês Tim Vickery, desfilando sua elegância
britânica nos estádios cariocas. Na última vez que nos encontramos, no Largo do
Machado, me contou com um largo sorriso que, desde que tinha vindo morar aqui,
acompanhava a mudança das estações pelo vestuário dos locais. Um dos sinais
mais claros era quando mulheres passavam a usar botas altas de couro para
enfrentar o friozinho que chegava. Naquele dia, porém, estava espantado. Já
tinha visto a primeira bota e ainda era fevereiro. Quer maior demonstração do
típico bom humor carioca?
Embora muitos achem que apenas sobrevivemos, vos digo,
vivemos e bem (dentro das nossas possibilidades). E talvez esse seja o maior
mérito de quem habita a Muy Leal Cidade de São Sebastião: acreditar nisso e com
paixão.
É como diz os versos de outro poeta daqui, Moacyr Luz (que,
felizmente, passou incólume pela entrevista de Nana):
“Brasil
Tira as flechas do peito do meu Padroeiro
Que São Sebastião do Rio de Janeiro
Ainda pode se salvar”
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