terça-feira, 9 de abril de 2019

RIO SEM SABER MUITO BEM POR QUE




"O poente na espinha das tuas montanhas/ Quase arromba a retina de quem vê"

O verso é de Chico Buarque (contumaz “chupador de pau de Lula”, segundo a entrevista recente de Nana Caymmi), na canção “Carioca”.

Ele me veio de imediato à cabeça quando, ao sair do túnel Rebouças, na Lagoa, me deparei, além de um grande engarrafamento, com o belo visual da foto que estampa esta postagem.





O Rio de Janeiro é responsável por colocar nossos cérebro e coração em um octógono de MMA, para que se digladiem a todo instante. A mente nos expondo todas as mazelas da ex-Cidade Maravilhosa e o coração se rendendo a cada paisagem que ainda se mantém exuberante.
Quando um prefeito diz que a cidade que governa é uma “esculhambação completa” e você não se surpreende, é porque a coisa realmente está feia. E é fácil entender a falta de espanto com o alcaide. Ele mesmo não tem feito nada para que esse quadro melhore. Se elegeu para “cuidar das pessoas” daqui e pouco ou nada fez. Uma das administrações mais nulas de todos os tempos. E olha que não faltam péssimos concorrentes nessa disputa. Mesmo assim, apesar de tudo isso, creiam (e o verbo foi, sim, intencionalmente escolhido), já está em campanha para a reeleição.
Uma certeza, todavia, me assalta (talvez não seja o verbo mais indicado em se tratando de limpar um pouco a barra de minha cidade, mas vá lá): o Rio de Janeiro, apesar da violência, da desordem urbana, da sujeira, além de todos outros males inerentes a grandes centros urbanos, já teria sucumbido, se não fosse o Rio.
Alguns lerão essa frase e dirão que ela é ufanista (e talvez haja uma certa porcentagem de bajulação, mesmo), mas quero que raciocinem comigo. Que outra cidade com tantos problemas alardeados aos quatro ventos (até por seu prefeito) conseguiria se manter viva como um dos desejos turísticos mundiais?
Tudo bem, eu sei que não recebemos nem um décimo dos visitantes que poderíamos, que muitos hotéis estão ociosos e alguns (como o acolhedor hostel de meus amigos Jacques e Márcia Eskinazi) fecharam as portas. Porém o potencial dessa cidade é enorme e quanto a isso não há o que discutir. Vejam o resultado de uma pesquisa aplicada pelo Ministério do Turismo após os Jogos Olímpicos de 2016. Apesar de tudo e de todos os envolvidos nas desventuras da cidade, 87,7% dos turistas estrangeiros declararam ter intenção de voltar ao Brasil e 94,2% dos turistas brasileiros afirmaram que gostariam de voltar ao Rio de Janeiro.
Não tem jeito. Apesar de toda a maledicência, tanto de quem convive dioturnamente com esse caos quanto de invejosos de alhures (sim, os há), a indiferença não combina com essa cidade. O Rio tem esse dom de surpreender, de seduzir. Certa vez, um francês que decidiu abandonar a fria terra natal para aqui se aboletar por um tempo me falou que não cansava de se espantar com as montanas da cidade mergulhando no mar. Nós, que aqui nascemos, nos acostumamos com tanta beleza que passa pela janela de carros e ônibus. Para nós, por vezes parece ser como o título daquele clássico da Bossa Nova: “Inútil Paisagem”. Contudo, se num átimo prestamos atenção a ela, nos cai o queixo como o de qualquer visitante de primeira viagem e o peito se enche de orgulho.



Carioca é assim, fazer o que? Somos os mal-amados mais apaixonados do Brasil. E pra ser carioca assim nem é preciso nascer aqui. Mesmo sem largar o forte sotaque de outras regiões do país ou de terras de além-mar, esses moradores da cidade podem ser dizer cariocas da gema. Pode ser o paraibano que inventou o sashimi de coco verde na beira da Lagoa, o refugiado sírio que tem a barraquinha de quibes e esfihas no Largo da Carioca, ou o lépido e fagueiro jornalista inglês Tim Vickery, desfilando sua elegância britânica nos estádios cariocas. Na última vez que nos encontramos, no Largo do Machado, me contou com um largo sorriso que, desde que tinha vindo morar aqui, acompanhava a mudança das estações pelo vestuário dos locais. Um dos sinais mais claros era quando mulheres passavam a usar botas altas de couro para enfrentar o friozinho que chegava. Naquele dia, porém, estava espantado. Já tinha visto a primeira bota e ainda era fevereiro. Quer maior demonstração do típico bom humor carioca?
Embora muitos achem que apenas sobrevivemos, vos digo, vivemos e bem (dentro das nossas possibilidades). E talvez esse seja o maior mérito de quem habita a Muy Leal Cidade de São Sebastião: acreditar nisso e com paixão.
É como diz os versos de outro poeta daqui, Moacyr Luz (que, felizmente, passou incólume pela entrevista de Nana):
“Brasil
Tira as flechas do peito do meu Padroeiro
Que São Sebastião do Rio de Janeiro
Ainda pode se salvar”


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