quarta-feira, 17 de abril de 2019

TRISTESSE


Meu primeiro contato com Paris foi através de cartões postais (lembram que isso existia?) e de fotos de minha mãe, que lá esteve a trabalho, no começo dos anos 1970.

Porém, o interesse maior se seu quando, na escola, comecei a ter aulas de francês. Paris passava a ser o endereço de Monsieur Thibaut e família. Todos viviam na Place D’Italie que, décadas depois, fiz questão de visitar.



Até o fim dos anos 1980, no entanto, viajar para a França, ou para qualquer outro lugar no exterior (Paraguai e Argentina não contam) parecia ser algo extremamente remoto para mim. Vivíamos em um país com a economia em pandarecos e com uma inflação galopante. Me dava uma angústia danada imaginar que poderia jamais ter essa oportunidade.

Em 1988 comecei a trabalhar (e a juntar dinheiro) e nas primeiras férias que tive, em outubro do ano seguinte, fui com minha mãe (e uma substancial ajuda dela) para a Europa pela primeira vez.

O voo da Lan Chile nos deixou em Madri, mas minha expectativa por Paris era tão grande que, só quando desembarquei na Gare D’Austerlitz me senti, realmente, em território europeu (hoje, amo Madri).

Não havia internet na época e acabamos ficando num hotel muito mixuruca. A única vantagem é que ficava perto do Boulevard Saint Michel e foi para lá que me dirigi enquanto minha mãe descansava. Assim que dei de cara com a larga avenida quase congelei. Os álamos, de folhas douradas por conta o outono, emolduravam uma paisagem de sonho. Parei alguns minutos para realizar que estava realmente ali. Sentei na Place de la Sorbonne e pedi uma demi (um chopp) gastando todo o francês adquirido em anos de Aliança. Rodei por ruelas, sem rumo, até me deparar com uma feira livre onde comprei enormes e doces morangos. Quando vi de perto a banca de um bouqiniste (vendedor de livros) igual a que tinha visto num postal, na infância, os olhos encheram de lágrimas.

No dia seguinte, mudamos de hotel. Fomos para o Esmeralda, mas só ao chegar lá, na Rue Saint-Julien le Pauvre, descobri o motivo do nome. Esmeralda era a cigana pela qual o quasímodo se apaixona no romance de Victor Hugo, “O Corcunda de Notre Dame”. Da porta do hotel, se via, do outro lado do Rio Sena, a imponente catedral. Uma localização mágica.


A vida me permitiu ir a Paris outras vezes e a Notre Dame, com sua imponência e seus vitrais maravilhosos sempre esteve no roteiro.

A última vez que lá estive, nem entrei. Era 31 de dezembro de 2017. Estava com minha mulher, Fernanda, e minha filha, Clara. No dia seguinte tínhamos um voo cedinho pra Grécia e, portanto, decidimos não nos enfiar na muvuca do Champs Elysée (a Copacabana parisiense em termos de Revéillon).

Acabamos indo parar na frente da Catedral, perto de nosso hotel, para vermos se haveria algo por lá.

Faltando uns 15 minutos para a meia-noite havia umas 50 pessoas. Aos poucos, porém, foram chegando outras tantas. Na hora da virada do ano, os enormes sinos começaram a badalar. Senha para abraços, beijos e euforia da turma que estava por lá.

Espocamos uma champanhota “nacional”, bebida sem taças, comme il faut em momentos como aquele e voltamos para nosso quarto felizes da vida com nossa comemoração alternativa.



Ver a Notre Dame em chamas doeu no coração, como doeu também ver o Museu Nacional ser consumido pelo fogo.



Como se trata de um patrimônio mundial e pelo fato de ficar num país onde história e memória são valorizadas, a catedral será reconstruída e voltará a encantar gente do mundo todo.

Provavelmente (e infelizmente), bem antes que o nosso Museu...


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